Sora no Woto – Garotas fofas, música, guerra e um mundo pós-apocalíptico, tem como ficar melhor?

O texto da vez é sobre um anime que estava na minha lista de coisas para ver há muitos e muitos anos, Sora no Woto, o chamado “K-On! Militar”, que é uma alcunha pejorativa e inadequada, mas adentrarei mais à frente do texto sobre este assunto. E o que me fez assistir esse anime em pleno 2020 depois de basicamente uma década de seu lançamento e ter gostado bastante dele?

Meninas fofas fazendo coisas fofas e parafernália militar seria uma boa resposta. Pode não parecer, já que eu quase sempre escrevo sobre obras bizarras e fora da curva, mas sim, me julguem se quiserem, eu gosto muito de moe, e mais especificamente, meninas fofas fazendo coisas fofas. Podem não ser as narrativas mais profundas e psicologicamente envolventes cheias de reviravoltas, mas é um material gostoso de assistir e relaxante. Essa definição entra bem no conceito do Iyashikei que eu me aprofundei no meu texto sobre o mangá Zassou Tachi yo Taishi wo Idake, que em resumo, é um termo usado para animes e mangás criados especificamente com o propósito de criar ou incentivar uma atmosfera calmante, embora Sora no Woto subverta essa definição em alguns momentos.

Seize, o vilarejo onde se passa Sora no Woto, baseado na cidade espanhola de Cuenca.

E mais especificamente, sou um apreciador da combinação de meninas fofas fazendo coisas fofas com elementos militares. Sei que é uma combinação bastante excêntrica, mas há vários animes que se encaixam nesse nicho, saindo de Sora no Woto eu poderia citar Girls Und Panzer e Haifuri só a título de exemplo, mas haveria muito mais. Se bem que também aprecio garotas fofas fazendo coisas não tão fofas com temática bélica, como no caso  de Gunslinger Girl (meu anime favorito) e Gakkougurashi, que é sobre zumbis e as meninas não são propriamente soldados, mas se encaixa na definição, diante da luta pela sobrevivência.

Já Sora no Woto estaria em um meio-termo, mesclando longos períodos de slice-of-life, ou seja, representação da vida cotidiana, com momentos muito densos, diante da própria temática militar em um período de guerra, a qual exige tensão de uma forma ou de outra. Nessa categoria intermediária se enquadraria Shoujo Shuumatsu Ryokou, que também adiante eu traçarei alguns paralelos entre as duas obras. Penso que pelo menos de maneira minimamente satisfatória eu consegui expressar o motivo do meu interesse pelo anime de Sora no Woto.

O maior sonho de Kanata é aprender a tocar corneta, seu amor pela música é notório, fazendo jus ao nome do anime.

Sora no Woto significa literalmente “som do céu”, título sugestivo que é mencionado pela protagonista principal ao longo do anime. O anime foi produzido pela Aniplex e dirigido pelo estúdio A-1 Pictures, muito famoso por inúmeros animes shounen (voltado para garotos, com lutas e poderes) e muitos slice-of-life repletos de moe. Sora no Woto foi ao ar nas TVs japonesas de 5 de janeiro de 2010 até 23 de março de 2010, ou seja, realmente está quase completando 10 anos do fim da exibição de Sora no Woto.

O anime conta com 12 episódios, além de dois episódios especiais lançados posteriormente, os quais representariam os episódios 7.5 e o 13. O diretor de Sora no Woto é Mamoru Kanbe, que dirigiu alguns animes bem famosos, como Elfen Lied e mais recentemente The Promised Neverland. Sora no Woto fez sucesso suficiente para que fosse feito um jogo para PSP, Sora no Woto: Otome no Gojuusou, no caso, o jogo é uma visual novel, a qual acrescenta uma ou outra coisa no enredo. Além disso, como as vezes acontece no caso de obras originais, uma adaptação em mangá foi serializada conjuntamente, contando com 2 volumes e arte de Ame Ochibana.

Takemikazuchi, o tanque de uma tecnologia perdida que as meninas do batalhão tornam operacional ao longo do anime.

Muita gente afirma, não sem certa razão, que Sora no Woto foi uma resposta da A-1 Pictures ao estúdio Kyoto Animation, em especial, uma resposta ao famosíssimo anime K-On, por dois fatores distintos. O primeiro diz respeito à data de lançamento. Se vocês prestarem atenção, Sora no Woto começou a ser exibido em 23.03.2010, ou seja, entre o fim da primeira temporada de K-on!, que foi em 26.06.2009 e o começo da segunda temporada em 07.04.2010. O segundo fato se trata da similaridade do estilo do design dos personagens, em especial da protagonista principal Kanata Sorami com a Yui de K-On! E além da semelhança de traço, até a personalidade é um pouco parecida.

Foram estes fatores que fizeram Sora no Woto ser chamado de K-On! militar. Tanto é que Sora no Woto também aborda a questão da música, mas em um grau muito mais sucinto do que em K-on!. Ok, Sora no Woto realmente tem tudo para ter sido mesmo uma iniciativa da Aniplex para entrar no nicho popularizado pelo sucesso de K-on!, ainda mais por ter sido uma história totalmente original, sem ter sido inspirada em qualquer mangá ou visual novel. Mas qual o problema disso? Nenhum, tirando a questão da briga pelo mercado, Sora no Woto é um anime que não pode ser menosprezado por estes fatos, ele brilha por si mesmo, mesmo indo na onda da popularidade de K-on!.

Parte do dia a dia do batalhão, com as meninas realizando diversos exercícios de campo, pois nem tudo é descontração.

K-on! pode não ter sido o primeiro anime genuinamente moe e nem o primeiro anime de “meninas fofas fazendo coisas fofas”, a própria Kyoto Animation já trabalhava o moe muitos anos antes, desde a era de Clannad e Suzumiya Haruhi no Yuutisu, mas ganha o título de anime mais importante por ter abraçado estes dois elementos de forma muito competente e que alcançou um nível estratosférico de popularidade, inspirando inúmeros animes dos anos posteriores, tanto em enredo como em design dos personagens, sendo essa influência sentida até hoje. Por isso tudo, a existência de algo como Sora no Woto é plenamente justificada. Por isso, vamos tentar não chamar o anime de K-On! militar, ok?

Outra curiosidade de Sora no Woto é que o anime fez parte de uma iniciativa chamada Anime no Chikara, com o intuito de criar mais animes originais, ou seja, que não fossem baseados em algo já existente. Junto com Sora no Woto, foram lançados por esta iniciativa os animes Seikimatsu Occult Gakuin e Senkou no Night Raid.

Yumina, a jovem freira que cuida do orfanato de Seize, umas das mais carismáticas personagens coadjuvantes.

Acho que já está bom de informações técnicas, não é mesmo? Agora vou adentrar no mundo de Sora no Woto. O anime se passa na nação fictícia de Helvetia, mais especificamente na cidade de Seize, um pequeno vilarejo nas montanhas, com estradas de pedra e casas rústicas. Um ambiente bem pacato, mas que não deixa de temer os prenúncios do retorno da guerra contra Roma, já que se passa em um período onde ocorreu um cessar fogo bastante tênue.

Sob estas circunstâncias, o 1121º Pelotão do exército de Helvetia se instalou na cidade, mais especificamente na fortaleza da Torre do Relógio, visto estar apontada diretamente para a fronteira do país. O enredo se inicia com a chegada de uma nova recruta, Kanata Sorami, uma menina extrovertida e de bem com a vida. Ela se uniu ao exército com o objetivo de aprender a tocar corneta, sendo que no universo do anime, este é o único jeito de se aprender música.

Sora no Woto também não deixa de lado seus típicos momentos slice-of-life.

Ao chegar na fortaleza, Kanata se junta ao grupo de meninas de lá. Curiosamente a defesa de Seize é formada apenas por poucas garotas. Kanata acaba ficando sob a supervisão de Rio Kazumiya, uma das oficiais do pelotão, garota misteriosa e de personalidade forte, além de exímia tocadora de corneta, servindo como professora da Kanata. O pelotão ainda é formado pela líder, a capitã Felicia Heideman, que age como a “mãe” de todas, Kureha Suminoya, a artilheira da equipe, muito mal humorada e que representa sem tirar nem por o tipo de personalidade tsundere, ou seja, ríspida por fora, mas que guarda um bom coração, e por fim, Noël Kannagi, a silenciosa e apática mecânica.

O diferencial do pelotão é que eles possuem um tanque de guerra oriundo de uma tecnologia já perdida há muito tempo, uma arma que se caso funcionasse seria extremamente mortal e eficiente, cabendo a Noël consertar o equipamento, mas parece uma tarefa infrutífera, já que não há peças de reposição por motivos óbvios. A vida em Seize é muito pacífica, mesmo se tratando do local onde há uma fortaleza do exército, então basicamente os dias são gastos com todo tipo de exercício e atividades recreativas, a não ser quando há a necessidade de ajudar o povo de Seize com o sumiço de alguém ou algum desastre natural. Inicialmente nem ao menos dá para crer que o anime seria algo além de um slice-of-life comum, diante da característica pacífica do dia-a-dia.

Obon, o festival japonês dos mortos, assimilado pela cultura de Helvetia.

Também não há hierarquia no pelotão, isso já é frisado desde o começo, a equipe funciona mais como uma família do que algo oriundo da rigidez militar, sendo todas amigas. Embora vivam em um ambiente momentaneamente pacífico, não esquecem as atividades e missões determinadas pelos seus superiores, como verificação de equipamentos de comunicação. O interessante é que o pelotão é eficiente devido ao caráter familiar do mesmo, além das meninas serem muito amadas pela comunidade.

Penso ser possível dizer que em Sora no Woto temos dois animes distintos, ou mesmo duas fases, tornando qualquer comparação com K-On! algo extremamente superficial. A primeira metade de Sora no Woto de fato é um slice-of-life na melhor acepção do termo, visto narrar o cotidiano na fortaleza e como a Kanata se aproxima de cada uma das meninas e das pessoas do vilarejo. A partir da metade o anime, as coisas lentamente vão ficando mais sérias, o aspecto slice-of-life não desaparece, ainda é muito presente, mas uma tensão vai crescendo pouco a pouco na vida das garotas a medida que conhecemos do passado de cada uma delas e descobrimos como a guerra marcou as suas vidas, e enquanto mais se aprofundava no passado, mais a sombra da guerra voltava à região, sempre com alguém comentando que as negociações de paz estavam indo de mal a pior, sendo questão de tempo dos conflitos estourarem, e essa expectativa funesta foi muito bem passada para quem assistiu o Sora no Woto.

Iliya Arkadia, personagem misteriosa que influenciou a vida de muitas das garotas do forte.

Foi muito gratificante verificar que o elenco de Sora no Woto não era basicamente um aglomerado de clichês de personalidade típicos em animes. Se for para olhar superficialmente, temos a Kanata que é a típica genki girl, ou seja, uma garota enérgica que sempre vê o lado bom das coisas por mais desastrosas que as situações se mostrem, Noël é a kuudere perfeita, que para quem não sabe, são aquelas garotas que não demonstram quase ou nenhuma emoção, se expressam pouco e de maneira extremamente racional e científica, e para piorar a Noël preenche outro clichê típico das kuuderes, o cabelo cinza, ou cinza azulado, o que faz lembrar das kuuderes mais famosas, como Rey Ayanami de Neon Genesis Evangelion e a Yuki Nagato de The Melancholy of Haruhi Suzumiya.

Já Kuhera é a típica tsundere, ou seja, uma personalidade que é inicialmente agressiva, que alterna com uma outra mais amável. Rio é uma dandere por ser inicialmente e superficialmente reservada mas que possui um bom coração sendo uma amiga leal. Felicia exerce o papel de “mãe” da turma, ou mesmo da “irmã mais velha”, conselheira e terna. Sou um tanto ambíguo quanto a utilização desses arquétipos de personalidade na maioria dos animes e mangás japoneses, mas em Sora no Woto as meninas não se resumem aos enquadramentos que eu citei.

Ao longo do anime percebe-se que nem tudo foram flores no passado das meninas.

À medida que vamos conhecendo as personagens, seus passados e sentimentos, vemos que tudo se encaixa de maneira harmoniosa. Noël nem sempre é apenas uma kuudere sem sentimentos, muitas vezes vemos que a sua frieza possui motivos muito profundos, mas que em determinadas situações ela mostra quem ela realmente é, alguém disposta a ajudar os outros. Muito legal como Kuhera parece a única sensata na equipe, mesmo com o seu jeito duro e briguento, é a única que tenta botar ordem no pelotão, mas nem sempre é ouvida, o que no fim das contas é até bom, pois nem sempre seguir as regras se mostra o certo a se fazer, como muito bem mostrou Sora no Woto.

E todo esse relacionamento humano é harmonizado com o tema musical de Sora no Woto, Amazing Grace, um cântico religioso composto por John Milton em 1772, possuindo uma mensagem de liberdade e segurança. Esse tema se repete várias vezes, seja os personagens cantarolando ou tocando na corneta, ou até mesmo através de uma gravação do tanque de guerra, demonstrando o tom da série, um ode antibelicista, mas não no conceito simplista de abolir todas as guerras, há lutas que devem ser lutadas, mas se deve fazer de tudo para evitar conflitos desnecessários.

A desertificação causada por guerras contínuas e destruição ambiental, um prelúdio do fim do mundo.

Outro elemento que chamou a atenção muito positivamente para mim foi a ambientação. Sora no Woto é belíssimo, Seize, que foi baseado em um vilarejo da Espanha, é um lugar fantástico, as casinhas coloridas, as ruas de pedra, as festas populares, etc. Um slice-of-life com uma ambientação destas já é digno de nota por si mesmo. Mas essa não é a cereja do bolo, uma vez que o mundo de Sora no Woto é uma complexa colcha de retalhos envolvendo diversas culturas. Não dá para dizer que se passa em um futuro do planeta Terra ou mesmo uma linha de tempo diferente, há teorias para todos os gostos.

Pensem bem, Seize, a cidade onde se passa a história do anime, é uma réplica de uma vila espanhola, o nome da nação é Helvetia, que é o nome em latim que os romanos deram para a região da atual Suíça, além disso, assim é chamada a personificação feminina do país. Os personagens falam japonês e possuem nomes japoneses, escrevem em francês, alguns possuem nomes alemães, como no caso da Felicia. O inimigo de Helvetia é Roma, que dispensa comentários de que representa a Itália, e no anime ficou comprovado que os romanos falam alemão! Também há um mapa que comprova que Helvetia é a Suíça e o deserto que circunda o país seria a França.

Lapso de um passado distante, sendo o tanque das meninas uma sobra desta época.

Desde o primeiro episódio Sora no Woto vai deixando pistas e informações de que a história se passa em um futuro desolado, onde a tecnologia regrediu ao ponto de restarem poucos seres humanos e estes que restaram terem que usar equipamentos militares da época da Segunda Guerra Mundial. Também ficou evidente que havia uma tecnologia muito superior, como mostra o tanque que há na fortaleza que está sendo consertado e que houve uma guerra que desolou o planeta Terra, tornando a maior parte do mundo em deserto, o que sobrou da humanidade vive em constantes guerras, a título de curiosidade, até o telefone é algo escasso e raro, reservado só aos militares.

Quem for ver o anime pode ficar captando estas referências, é um passatempo muito divertido. A própria fortaleza está localizada nas ruínas de uma escola, coisa desconhecida para o mundo em questão, onde sobrou muito pouco de terra habitada e pessoas sobreviventes. Os fãs já fizeram a maior parte do trabalho duro em reunir as inúmeras referências apresentadas no anime.

Exemplo de tabela de referências e especulações feitas pelos fãs tirada do site https://soranowoto.fandom.com/wiki/Speculation

Mesmo em um futuro próximo, o que explicaria essa mistura tão grande de línguas e culturas? Visto que em Seize são realizados rituais típicos da tradição japonesa, como o Obon, que visa honrar a memória dos mortos, sendo esse o meu episódio favorito, com uma carga dramática muito intensa. Voltando ao assunto, teorias já levantadas pelos fãs apontam que talvez se passe em uma realidade diversa na nossa, onde as forças do Eixo teriam ganho a Segunda Guerra Mundial, o que explicaria em parte o intercâmbio cultural. Mas é uma análise forçada, pois não consegui imaginar um contexto plausível para o Japão ter invadido a Suíça, mas é o melhor que temos.

Mas como em tantas outras obras, penso ser uma perda de tempo ficar buscando uma lógica profunda em Sora no Woto, o anime terminou e em nenhum momento teve ou terá alguma explicação definitiva sobre isso, e no mais, a ambientação ficcional observa a proposta do anime, e por isso é bem sucedida, pois se formos para para pensar em outras incongruências, não consigo imaginar como uma civilização avançada, mesmo passando por uma guerra cataclísmica, teria voltado a utilizar equipamentos da Segunda Guerra Mundial.

Os tanques do anime são basicamente tanques da Segunda Guerra Mundial com pernas.

Confesso que adoro essa ambientação baseada na Segunda Guerra Mundial, e os japoneses também, é até mesmo uma forma de fetiche por parte deles, há inúmeros animes e mangás que abordam o maior conflito da história de uma forma puramente ficcional, adicionando elementos autorais e até mesmo sobrenaturais e de ficção científica, só citando alguns, temos Girls und Panzer, Haifuri, Hellsing, First Squad, Strike Witches, Kantai Collection, Azur Lane, Youjo Senki, Fullmetal Alchemist, Kouya no Kotobuki Hikoutai, entre diversos outros, até mesmo Dragon Ball usou e abusou dessa temática, vide as forças inimigas da organização Red Ribbon.

Então, temos em Sora no Woto uma representação as personagens utilizando toda a parafernalha da Segunda Guerra Mundial simplesmente porque sim! Foi uma escolha da produção simplesmente por fins estéticos. Não há motivos maiores e nem é um bom negócio procurar uma explicação racional. No mais, serviu bem para destacar um aspecto de antiguidade semi-tecnológico do mundo de Sora no Woto. Vide também os tanques de guerra do anime que são bem únicos, basicamente tanques da Segunda Guerra Mundial com pernas, uma mistura de um tanque normal com um AT-AT da série de Star Wars.

Memórias de um passado distante.

E essa mistura de mundo pós-apocalíptico com temática inspirada na Segunda Guerra Mundial me fez recordar de outro anime que não citei na lista que fiz acima justamente para poder citar aqui, Shoujo Shuumatsu Ryokou, ou Girls’ Last Tour, de 2017. Nesse anime também temos um mundo devastado pela guerra, equipamentos claramente da Segunda Guerra Mundial, drama e muitos momentos do bom e velho moe. 

Enquanto eu me preparava para escrever este texto, fiquei pasmo com a quantidade de semelhanças, mas mesmo assim as diferenças também são grandes, em Girls’ Last Tour temos um mundo muito menos bonito e colorido, mais frio e morto, além de totalmente desesperançoso. Sora no Woto, mesmo também se passando em um mundo desolado pela guerra, é muito mais colorido e vivo, além de nos presentear com uma doce mensagem de esperança, no fim das contas, mesmo tratando de temas pesados, é um anime de meninas fofas fazendo coisas fofas em um mundo envolto na sombra da guerra. E outra semelhança diz respeito justamente da perspectiva real e pungente sobre o fim do mundo. Em Sora no Woto o mundo está dando seus últimos suspiros, mas isso não é motivo para se deixar de viver intensamente e tentar melhorar as coisas, mesmo que sejam difíceis. Penso essa ser a principal mensagem de Sora no Woto.

Sora no Woto e Girls’ Last Tour, algumas semelhanças interessantes, e não é somente o moe.

Ainda há bastante coisa que eu poderia dizer, mas temo que o texto esteja ficando muito extenso, então vou me ater apenas sobre alguns aspectos técnicos e curiosidades. A trilha sonora é belíssima, composta em sua maioria de música instrumental, com destaque para a faixa cantada “Servant du feu”, que como o próprio nome indica, é cantada em francês, e uma curiosidade, todas as faixas, tirando Amazing Grace, possuem nomes franceses. Todas as faixas passam uma atmosfera que pode ser descrita como épica, possuindo uma pitada de cantigas medievais mescladas com algo mais moderno. É difícil descrever, mas são muito boas e casam perfeitamente com as cenas e proposta do anime.

A abertura, Hikari no Senritsu, também é especial, cantada pelas meninas do Kalafina, passa uma ideia no espírito do anime, algo entre uma atmosfera bucólica, campestre, com algo mais aventureiro, épico. Mas o principal da abertura nem é a música, mas sim a animação. Aposto que quem já assistiu o anime Elfen Lied, com certeza percebeu uma similaridade extrema entre as duas aberturas, e realmente elas são muito similares, tanto pelo fato do diretor de Sora no Woto e Elfen Lied ser o mesmo, como pelo uso das imagens do pintor austríaco Gustav Klimt. O diretor, Mamoru Kanbe, certamente é fã deste pintor! Mas afirmo que é uma escolha estilística muito acertada, o estilo de Klimt, mais simbólico do que realista, misturando a beleza feminina com elementos decorativos, caiu como uma luva para Sora no Woto. Segue abaixo algumas comparações entre cenas da abertura e pinturas de Klimt:

Beethoven Frieze (1902)

Beethoven Frieze (1902)

Goldfish 1902

Tragedy (1897)

Para finalizar, posso afirmar que Sora no Woto é um anime muito interessante e com carisma próprio, sendo injusto lhe classificar apenas como uma cópia de K-On!, capaz de agradar tanto quem gosta de um bom slice-of-life como quem curte um enredo mais dramático, que mexe com questões complicadas, como o fim do mundo pela ação humana e algo mais palpável, como no caso das guerras constantes. E bem, ainda há aquela boa dose cavalar de moe, já que não mata ninguém e não somos de ferro, e meninas fofas fazendo coisas fofas também merecem o seu espaço.

Arte de Mel Kishida, responsável pelo design dos personagens de Sora no Woto.

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