Zassou Tachi yo Taishi wo Idake. Como um cotidiano pode ser divertido.

O que é preciso para uma obra cativar um leitor? Personagens interessantes? Uma abordagem psicológica profunda? Não saber o que vai acontecer logo em seguida? Reviravoltas do enredo e um final imprevisível?

Muitas vezes esses são sim elementos que fazem um mangá ser empolgante, Contudo, uma obra que não vai a nenhum lugar em específico e que não possui essas características também possui o seu valor. E dentro do universo dos mangás/animes, o slice of life possui o seu espaço, principalmente quando se deseja deixar a agitação de lado e ler algo mais leve e que mesmo assim desperte alguma reflexão ou pelo menos bons sentimentos após a sua leitura. E Zassou Tachi yo Taishi wo Idake preenche com maestria esse requisito. Uma história leve e despretensiosa sobre um grupo de meninas que não são populares e precisam atravessar as dificuldades da vida escolar.

Zassou tachi yo taishi wo idake pode ser traduzido literalmente como “eu vou te dar um bom negócio”. O título não diz muita coisa, por isso eu prefiro um dos seus nomes utilizados em inglês, “Ambitious Ordinary Girls”, que seria algo como “meninas comuns ambiciosas”, que para mim se relaciona melhor com o mangá. No texto eu vou chamar a obra simplesmente de Zassou, pois ninguém merecer ler o título gigante todas as vezes!

Pois bem, Zassou é um mangá de volume único, ou seja, um one-shot, composto de 6 capítulos e serializado de 08 de julho de 2015 até 08 de dezembro de 2016 na revista Feel Young, publicação voltada à demografia josei, ou seja, indicada para o público feminino adulto, embora possa ser lido, e deva, por qualquer um. Nessa revista Feel Young foram publicados mangás famosos como Usagi Drop e Helter Skelter. Zassou é de autoria da mangaká Aoi Ikebe, pouco conhecida no Ocidente mas que possui vários mangás publicados no Japão, possuindo destaque pelo seu desenho que foge do estilo popular dos mangás.

Zassou acompanha o cotidiano escolar de cinco meninas em uma escola japonesa, meninas estas que estão longe de serem populares, e como é para a maioria das pessoas, o período escolar é um tempo de inseguranças, momentos felizes e tristes, mas que proporcionam a oportunidade de amadurecimento e de encontro consigo mesmo, uma constante luta contra os próprios temores e imperfeições. E é sobre isso que esse mangá trata, acompanhamos um pouquinho do dia-a-dia das personagens buscando os seus próprios caminhos e tentando sobreviver à escola, passando por situações inusitadas, engraçadas e até mesmo tristes.

Esse é um mangá que é realmente difícil escrever sobre, parece que é muito mais fácil ter assunto quando se trata de temas pesados, dilemas psicológicos, histórias macabras, etc… Mas falar do cotidiano tem sua dificuldade justamente na falta de algo que chame a atenção, um clímax, ou mais de um. Mas como eu disse na introdução, esse tipo de narrativa é um sopro de uma brisa fresca e se sustenta por si mesma apenas nos oferecendo uma “fatia” da vida das personagens principais, fazendo alusão ao termo slice of life, que significa literalmente “fatia da vida”. E essa “fatia da vida” oferecida por Zassou é muito saborosa, ainda mais por ser uma obra tão curta mas tão repleta de emoções e significados.

Mas porque Zassou seria uma obra tão especial? Para responder essa pergunta, vou começar dizendo que é um mangá simples, e na simplicidade muitas vezes reside um trabalho bem feito. Além disso, proporciona uma descrição realista da vida escolar e como se lida com as amizades nessa fase. A obra também não se propõe a ser o que não é, não havendo espaço para se perder no roteiro. Por exemplo, não é um slice of life que descamba para um thriller psicológico ou história de terror (embora se tenha boas obras assim), e sim apenas uma fração da vida ordinária de cinco garotas um tanto desajustadas, e essa fração possui o seu charme especial.

É uma história simples, mas tocante e com o pé-no-chão, repleta de situações divertidas mas plenamente plausíveis. O humor também é leve, mas proporciona bons sorrisos, não sei se é capaz de fazer gargalhar, mas combina com o estilo do mangá, como as piadas com as sobrancelhas de uma das protagonistas. Cada um dos capítulos foca em uma das meninas, o que dá a chance de entender e conhecer cada garota melhor, mesmo sendo um mangá de apenas um volume. Creio que eu adoraria caso o mangá se estendesse por mais alguns volumes, mantendo o mesmo estilo, mas ele é autossuficiente e fecha com maestria.

Alguns exemplos das situações do cotidiano vividas pelas meninas até podem parecer banais, mas cada um mensura os seus próprios problemas levando em conta seus próprios pesos e medidas. Uma espinha para alguns é algo mais sério do que para outros. Mas em Zassou temos todos os tipos situações, como uma das meninas vidrada em um ídolo pop, nada mais natural, que com o passar do tempo percebe que não se encaixa nos padrões de beleza para poder “estar no mesmo nível” do seu ídolo, e nem com o maior esforço do mundo conseguirá se encaixar nos padrões.

Mas Zassou, mesmo com a sua curta duração, também “pincela” por temas ainda mais delicados aos japoneses, e também para todo jovem em época escolar, como o bullying. Ele trata esta situação de uma maneira já vista em outros mangás/animes, quando um dos amigos se afasta do outro com o medo de também sofre bullying. Contudo, mas do que adentrar nestas situações tristes, Zassou mostra como a vida pode seguir em frente. Quem antes fez algo errado pode acabar se arrependendo e aprendendo uma boa lição. Além disso, é muito legal ver como todas as meninas ajudam umas às outras nessa tarefa, sendo com conselhos, carinhos ou até mesmo danças engraçadas ou outras palhaçadas apenas para tirar um sorriso do rosto de uma mais tristonha.

Eu não posso dizer que senti o que as meninas passaram no colégio, pelo imutável fato de que sou homem, mas entendo que muitas das sensações vivenciadas, inclusive o medo e a insegurança, independem do sexo. Essa aproximação com as personagens que faz o mangá parecer mais doce, diante da identificação com as situações vividas. Mas isso não é devido apenas por essa proximidade de situações, mas também pelo próprio cuidado na construção das personagens, que são, além de consistentes, interessantes e engraçadas, o que faz desse mangá único, sendo diferenciado dos próprios padrões dos mangás josei, ou mesmo de qualquer mangá voltado, inicialmente, para garotas.

Outro aspecto, não menos importante, que torna Zassou um mangá tão singular, é justamente a sua arte, que foge muito dos padrões estabelecidos. Em muitos mangás os personagens são muito parecidos, havendo pouca diferenciação entre eles, mas em Zassou vemos que cada protagonista é muito diferente da outra, uma é alta e possui traços andróginos, outra é exageradamente baixa, há a que tem sobrancelhas gigantes e chamativas ou a que não é tão magra para os padrões japoneses. Essa diferenciação entre cada uma das meninas as tornam como pessoas reais, não apenas manequins construídos em massa. O estilo da arte também é cartunesco, o que ajuda na sensação de ser uma obra leve e descompromissada. Todos esses fatores juntos formam o cerne de Zassou Tachi yo Taishi wo Idake.

Há várias formas de se caracterizar uma obra, e Zassou se encaixa perfeitamente como uma obra Iyashikei. E o que seria isto? Iyashikei significa literalmente “cura”, e é um termo usado para animes e mangás criados especificamente com o propósito de criar ou incentivar uma atmosfera calmante na audiência, o que geraria efeitos curativos, isso em uma esfera psicológica, já que é uma boa alternativa para momentos de estresse e ansiedade. Obras desse gênero geralmente envolvem realidades alternativas (nem sempre), pouco ou nenhum conflito, situações mundanas do dia a dia, etc.

Muita gente relaciona o Iyashikei a outro subgênero famoso, o cute girls doing cute things, ou seja, meninas fofas fazendo coisas fofas, e esta relação não está errada, quase sempre as duas definições andam bem juntas, como nos clássicos slice of life como K-On! e Azumanga Daioh, além de muitos outros animes que são lançados ano a ano, já que são temáticas em alta. Penso que realmente haja um efeito curativo nesse tipo de obra, o que explicaria o seu sucesso, uma vez que quase todo mundo gosta de se desestressar assistindo alguma coisa leve e descontraída, não é mesmo? Mas o Iyashikei não se resume ao “meninas fofas fazendo coisas fofas”, há espaço para obras mais sérias ou com temáticas mais adultas, como o exemplo do anime Bartender, já analisado aqui no Dissidência Pop.

Por tudo isto, este é um mangá recomendadíssimo para mim, pois se trata de uma leitura rápida e leve, perfeita para relaxar depois de um dia estressante, fazendo jus à sua qualificação como Iyashikei. Não há muito mais o que falar, já que é um mangá onde o pouco que acontece é a sua maior característica, e tudo o que eu mais escrever seria apenas verborragia, já que a melhor divulgação do mangá é a sua própria proposta. Termino este texto com a seguinte citação de Sayaka Ohara, a voz da personagem Alicia no anime Aria, que é outro Iyashikei, que resume muito o que é Zassou Tachi yo Taishi wo Idake: “Nada realmente acontece, mas de uma maneira muito boa”.

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