Battle Royale II: Blitz Royale. Uma outra versão do clássico.

Quem não conhece Battle Royale, seja a versão mangá, o filme ou até mesmo o livro? A clássica história da turma de uma escola que é confinada em uma ilha com a obrigação de lutar até a morte até o único sobrevivente vencer o jogo. Pois bem, o mangá de Battle Royale, publicado no Brasil em 2006 pela editora Conrad, teve uma continuação, que não é bem uma continuação, Battle Royale II: Blitz Royale, e é essa obra que o Dissidência Pop vai apresentar agora.

Primeiro, algumas considerações sobre o que motivou o surgimento deste mangá que eu acho pertinente. Battle Royale, como a maioria de vocês devem saber, foi adaptado como um filme live action em 2000, se tornando um grande clássico cult de todos os tempos, tanto é que foi o sucesso do filme que motivou a publicação do mangá aqui no Brasil. Os produtores do filme, como é de costume, vislumbrando o sucesso franquia e as possibilidades financeiras, produziram uma sequência, Battle Royale II: Requiem, que foi considerado uma porcaria de filme.

Foi por causa dessa malfadada sequência cinematográfica que a continuação do mangá surgiu. Koushun Takami, escritor do livro que deu origem à franquia e também do roteiro do mangá original, foi responsável por fazer nascer Battle Royale II: Blitz Royale da necessidade de promover o filme. Mas não se enganem, este mangá quase nada tem a ver com o segundo filme da série, a não ser um ou outro detalhe geral do enredo. Desta forma, o mangá que apresento hoje trata-se de um conteúdo único, que se diferencia inclusive da novela original.

O mangá é composto por dois volumes, contabilizando 19 capítulos, sendo publicado de 2003 até 2004. Embora o autor tenha permanecido o mesmo nos dois mangás da franquia, o artista responsável por dar a luz ao Blitz Royale foi outro. O realismo rico em detalhes de Masayuki Taguchi foi substituído pelo visual nada usual de Hitoshi Tomizawa (Alien 9, Yume Nikki e Milk Closet). com suas personagens fofinhas, contrastando com a brutalidade que uma obra como Battle Royale oferece.

Como Blitz Royale não é uma continuação propriamente dita do mangá original de Battle Royale, bem como não é o mangá do segundo filme, o qual aborda a temática do combate ao terrorismo, enquanto Blitz Royale foca numa recriação da vida de um soldado no front. Assim, o presente mangá segue uma história única, sendo que segundo o próprio Koushun Takami, Hitoshi Tomizawa teve liberdade em adaptar a obra à sua maneira.

O contexto de Battle Royale II: Blitz Royale é o seguinte: se passa no mesmo universo do Battle Royale primordial, ou seja, há o Programa mantido pelo exército de uma espécie de Japão totalitário, no qual uma turma é sorteada para combater até a morte em uma ilha, tudo sendo televisionado. Ocorre que o Programa aplicado em Blitz Royale foi desenvolvido pela Marinha, como um Programa alternativo ao oferecido pelo exército, muito diferente do original, tirando o fato que tudo ainda terá que lutar e matar para manter a vida.

O mangá segue o ponto de vista da garota número 10, Makoto Hashimoto. Ela se considera extremamente azarada e também acha que esse azar é contagioso, sentimento que lhe acompanhará todo o mangá. Devido a isso, ela tinha receio em viajar com a sua classe da escola Shikanotoride, com medo de que ela fosse escolhida para participar do Programa. Sua melhor amiga, Itou Yamamoto e sua mãe a conseguem convencer, alegando que todos os Programas do ano já ocorreram, e a possibilidade de um Programa extra era impossível. Para o azar de Makoto, ela e sua classe foram selecionados para o novo programa realizado pela Marinha.

O Programa da Marinha é muito diferente do habitual, e muito mais complexo. Os alunos não são obrigados a logo de cara saírem matando uns aos outros, eles vão para uma espécie de “colégio militar”, onde são obrigados a se familiarizarem com a vida nas forças armadas. Ao contrário das roupas de colegiais, eles são obrigados a vestirem uniformes de marinheiros e posteriormente uniformes camuflados de combate, recebendo também o equipamento básico de qualquer soldado comum, como fuzil, pistola e a bolsa de mantimentos.

Eles são submetidos a todo tipo de situação degradante, são obrigados a logo de cara a recolher corpos na praia dos últimos participantes do Programa. A turma é dividida em vários times compostos de quatro alunos e separados por cores, o sucesso da equipe melhora a pontuação individual de cada aluno. Neste contexto, Makoto e companhia são introduzidos neste jogo mortal, logo de cara muita gente já põe a culpa na pobre Makoto pelo ocorrido. Tudo piora quando ela e alguns voluntários realizam uma missão extra, na qual consistia eliminar um soldado descontrola perdido na vila da ilha.

O sucesso de sua missão serve para demonstrar o funcionamento do sistema de pontuação do Programa. Quando você completa uma missão, ou mata um inimigo, recebe pontos, os quais servem para desfrutar de regalias no colégio militar, como comida e camas. Todo o restante dos alunos são obrigados a viver ao relento, cobertos por papelão e passando fome enquanto não tiverem pontos. Só mencionando que esse Programa é longo, o participante precisa passar por muitos “exames” para se graduar depois de um ano.

Ocorre que este programa não acarreta uma matança contínua, já que entre um “exame” e outro, que consiste na eliminação mútua dos grupos, a vida continua no colégio, não sendo permitida a posse de armas, as quais são exclusivas para as missões. Mesmo assim, como é de se esperar, isso não impede a prática de violência, muita violência, diante do confinamento torturante. Outro elemento interessante do Programa da Marinha é que é possível interagir com sobreviventes de outras turmas anteriores, já que esse programa ocorre continuamente.

Ao contrário do Programa original de Battle Royale, onde tudo termina em poucos dias, o da Marinha consiste em sobreviver por muito tempo na ilha, o que o torna muito mais cruel por expandir tal situação degradante por um longo período de tempo. Mesmo que neste caso você não seja motivado a matar pela limitação do tempo, é quase impossível não ter de lutar. Outro elemento comum são as coleiras explosivas, sendo o único diferencial o fato de possuírem um marcador de pontuação nelas e o professor da turma também ter recebido um exemplar.

Como é possível observar, Blitz Royale possui enfoque diverso do material original. Neste caso o objetivo é trazer aos participantes a realidade do front, retirando um pouco aquele viés de guerrilha presente em Battle Royale. Aqui os participantes são condicionados como se militares fossem, utilizando equipamentos e táticas comuns às forças armadas. Também há um elemento curioso nessa obra, as “Drogas de Combate”, espécie de estimulante que faz o usuário ser imune a dor e ao cansaço, além de possuir um desejo assassino exacerbado.

Há um fato relevante sobre Blitz Royale que chamou minha atenção. Ele é massacrado pelos sites especializados. Não que a nota e as avaliações do My Anime List sejam sinônimo da qualidade real de uma obra, longe disso, mas servem como um panorama da recepção pelo público geral. Pois bem, esse mangá possui uma nota muito baixa, e tirando uma review com a nota 7, o restante não passou de 1! O mesmo ocorre em outros sites. A questão é: Battle Royale II: Blitz Royale é tão ruim assim? Eu digo que não.

Essa avaliação negativa se dá por um equívoco de expectativas. Normalmente os fãs de Battle Royale, assim como de outras obras, ao saberem da existência de uma continuação em mangá, esperam uma continuidade gráfica do material original. Uma grande mudança causa alvoroço e repulsa, ainda mais que tanto o gráfico como a história mudaram drasticamente, tanto que a principal crítica vai para a arte de Hitoshi Tomizawa, o que é injusto para quem conhece o trabalho dele mais a fundo.

Claro que uma mudança de um character design muito realista para algo bastante conceitual é problemática aos fãs mais ortodoxos. Mas quando afirmam que a arte de Hitoshi Tomizawa não combinou com a história, pois é muito “Moe” e exótica, isso eu não posso concordar. Quem leu outros de seus mangás, como Alien 9 ou Milk Closet encontra justamente o que é achado em Battle Royale, crianças e adolescentes expostos a ambientes fisicamente e psicologicamente degradantes, com uma boa dose de gore.

Alien 9 por exemplo, envolve alienígenas parasitas e em Blitz Royale apenas a maldade do ser humano. Essa é a especialidade de Hitoshi Tomizawa, criar contrastes acentuados, notadamente a dicotomia entre “moe” e “gore”, seja na sua temática quanto, principalmente, na sua arte. Claro que num primeiro relance pode ser difícil de se acostumar com a arte dele, mas quando você percebe a intenção dele de criar o contraste intencional, as coisas melhoram.

Outros sentiram a falta de um aprofundamento dos personagens. Ok, uma coisa é você possuir 15 volumes para tratar do contexto psicológico, do passado e das relações dos personagens de uma forma profunda, como ocorre no original. Outra coisa é você fazer isso em 2 volumes. Por sorte Hitoshi Tomizawa não perdeu muito tempo com isso, mostrando o mínimo necessário para entendermos os personagens e suas motivações. Além disso, obras como Battle Royale demandam muitos quadros expositivos para que um sistema complexo como o apresentado seja entendível.

Claro que em um contexto geral, Battle Royale II: Blitz Royale é inferior ao seu mangá predecessor, mas não é aquela porcaria que muitos afirmam ser, muito longe disso, é uma boa obra, interessante, rápida e divertida, dando outro viés para a problemática do “Programa” abordado pela franquia de Battle Royale. Esse mangá não teve a pretensão de ser uma continuação, tanto é que surgiu como merchandising do segundo filme da franquia. Koushun Takami e Hitoshi Tomizawa ainda conseguiram fazer um bom trabalho com as condições limitadas que possuíam.

Portanto, analisem esse mangá com carinho, sem se deixarem levar por preconceitos pré-concebidos. É muito comum muitos leitores sentirem certo preconceito com obras com character design mais conceitual. Esse é o problema de se ficar preso no senso comum. Se você não se importa com uma arte mais original, Battle Royale II: Blitz Royale não será um problema, caso contrário, é bom nem chegar perto deste mangá.

Na questão da abordagem das motivações políticas e sociais que dão ensejo à criação do Programa, sinto que esse assunto apenas foi pincelado por cima, ficando os reais propósitos ainda muito vagos, apenas o contexto financeiro (banco de apostas) ficou bem evidente. Se bem que esse é um problema até do mangá original, o qual também não dedicou muito espaço para esta temática, o que não é claramente ruim, só um tanto incompleto por assim dizer.

Quanto aos personagens, naturalmente, diante do curto espaço para desenvolver o mangá (dois volumes) Blitz Royale foca em um grupo muito mais reduzido em comparação ao mangá original. Isso não é ruim, até é bom, evita gastar tempo com uma série de personagens mais inúteis, focando no que realmente interessa. Mesmo nessa obra curta, os personagens são mais realistas e convincentes se comparados com alguns personagens malucos ou inacreditáveis do original, como o vilão principal que quase possuía super poderes, ou o lutador de kung-fu que conseguia utilizar o ki como em Dragon Ball!

Concluindo, a história de Battle Royale II: Blitz Royale pode não agradar à primeira vista, mas quebrando essa barreira, este mangá é uma boa obra. Os aspectos psicológicos e temas do Battle Royale clássico estão todos presentes. Lembrando que não debe ser procurado como uma continuação de Battle Royale, mas sim como um spin-off. Ele é parecido com o original ao mesmo tempo que não é, visto o Programa quase que completamente diferente.

Pra mim é um mangá recomendável. Encontrei divertimento ao lê-lo. Como é curto, apenas dois capítulos, o tempo que se gasta para ler é irrisório comparado a tantas obras que acabamos lendo por muito mais tempo. Depois de ler Battle Royale II: Blitz Royale não dá para considerar esse tempo perdido. O enredo consegue envolver bem, cultivando a curiosidade que nos faz ficar perguntando o que acontecerá nos próximos capítulos. Portanto, esse mangá não é ruim como dizem, e vale a pena ser conferido.

Links úteis:

Análise da novela que deu origem à franquia de Battle Royale:
Battle Royale [livro] – “Cause tramps like us, baby we were born to run.”

Outros obras de Hitoshi Tomizawa analisados pelo blog:
Alien Nine – garotinhas e alienígenas, combinação agridoce.
Alien Nine Emulators. Novos alienígenas, mesma bizarrice.
Alien Nine (OVAS): hora dos parasitas cerebrais em versão animada.
Milk Closet: Deem boas vindas ao Milk Squad.
How to Colonize Space. Sobre aqueles que têm que levar nos ombros o fardo do progresso da humanidade.
Yumme Nikki – Profunda imersão no mundo dos sonhos

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