The Wedding Eve – Alguns retratos do amor.

Continuando minha jornada de analisar mangás lançados no Brasil que fogem do que é considerado popular, desta vez resolvi escrever um pouco sobre The Wedding Eve, um mangá josei de autoria da mangaká que atende com o nome de Hozumi.

The Wedding Eve foi publicado pela editora Panini em 2016, se tratando de um lançamento moderadamente recente. A editora optou por utilizar o título em inglês, muito embora o  original fosse Shiki no Zenjitsu. Penso que o título poderia facilmente ser traduzido ao português, já que significa simplesmente A Véspera do Casamento. Observa-se que mão é um título feio nem nada, e ainda soa agradável aos ouvidos.

Se a obra tivesse sido originalmente lançada em inglês, até entenderia  a possibilidade manter o título original. Mas o mangá é japonês, neste caso faria mais sentido utilizar Shiki no Zenjitsu, se esta fosse a motivação. A título de exemplo, a obra foi publicada na Espanha pela editora Milky Way Ediciones, também em 2016, e neste caso recebeu o título traduzido de “La véspera de la boda”. Esse caso me soa como uma preguiça editorial da Panini. Mas quero deixar claro que isto não afeta em nada a qualidade da obra e minha avaliação, se trata apenas de um pensamento meu.

A capa original japonesa. Como se pode ver, a edição brasileira seguiu à risca o projeto original.

Falando mais sobre a obra, ela é composta de sete capítulos que formam apenas um volume, ou seja, é um mangá one shot. Cada capítulo possui um enredo único, sendo obras separadas, a não ser dois capítulos que compõe uma única narrativa. Estas histórias foram publicadas originalmente de 14 de outubro de 2010 até 28 de junho de 2012 na revista  mensal Flowers, que é uma importante publicação de mangás josei. Esta revista já lançou obras como 7 Seeds e Sakamichi no Apollon.

The Wedding Eve inclusive é uma obra premiada, uma das histórias que compõe esta antologia, Shiki no Zenjitsu, que dá nome à obra e que por sinal é o primeiro capítulo, ganhou o prêmio Silver Flower Award, que é realizado pela própria revista. E o prêmio foi merecido, é realmente muito bom este capítulo. E por sinal, foi a primeira publicação oficial da mangaká, um início com o pé direito! A autora, Hozumi, já publicou e continua publicando outros mangás em sua carreira, todos da demografia josei e na revista Flowers, como: Sayonara Sorcier, Usemono Yado, e Boku no Giovanni, sua obra mais atual. 

The Wedding Eve é um sopro de vitalidade de um gênero de mangás pouco difundido no Brasil, o josei. Para quem não sabe do que se trata o josei, é a definição dada aos mangás normalmente voltados para o público feminino adulto. Para ficar mais claro, todos os mangás são distribuídos e lançados no Japão levando em conta a demografia que se busca atingir. A título de exemplo, shounen se direciona a jovens garotos, shoujo a jovens meninas, seinen a jovens adultos do sexo masculino e pro assim vai.

Esta é a capa nacional da edição lançada pela editora Panini.

Neste assunto das demografias, é importante fazer uma ressalva. Muito embora há um público demográfico pré-definido, todo mundo pode ler o mangá que quiser, essa restrição das publicações apenas se dá para fins comerciais, com o objetivo de direcionar a obra para o público que será mais atingido. Pode parecer meio bobo de dizer, mas leiam de tudo, não se deixem prender tão rigidamente por rótulos. Claro que a separação entre estas demografias pode servir como um norte na hora de buscar algo para ler.

Por exemplo, quem busca mangás josei, busca na maioria das vezes obras com realidades adultas mais factíveis, sem os exageros românticos de um shoujo. Ou apenas buscam narrativas mais maduras, muitas vezes sem ou com poucos elementos de fantasia. Tanto é que geralmente adaptações de josei se dão da forma de live actions e esporadicamente algum anime. Também não há uma indústria de merchandising atrelada, como brinquedos e figures. Esta situação se dá justamente pelo fatos dos mangás josei tratarem de temas mais maduros do cotidiano.

Agora falando especialmente do mangá The Wedding Eve, se trata de uma obra sem sombra de dúvidas memorável. Eu não o classificaria como uma obra de romance, mas um compilado de vivências humanas. Não se razão, The Wedding Eve é considerado um mangá bastante realista, o qual consegue, com sutileza, adentrar em diversos dramas e conflitos.

Por mais incrível que possa sugerir, o mangá consegue ser considerado realista mesmo com o toque sobrenatural que dita o tom em algumas das histórias. Mas assim como ocorre no realismo fantástico, a autora conseguiu inserir este elemento mais fantástico sem que ele ditasse a tônica de sua obra, ou que se sobressaísse acima dos dilemas humanos. E sobre estes dilemas, não estamos falando de conflitos acalorados e cenas de ação, mas de situações psicológicas que não demandam uma agitação. Desta forma, o mangá consegue ditar o seu próprio ritmo.

Poderia dizer que o amor é tema principal desta coletânea. Não o amor romântico apenas, mas o amor familiar, como o de uma filha por um pai, de dois irmãos, e até mesmo entre um gato ou o espírito de uma ave. São diversas facetas de como o amor se manifesta, e é isso que faz essa obra ser um colírio para o leitor. E sobre os capítulos no geral, eles variam em duração e profundidade. Alguns deles possuem tramas mais complexas, enquanto outros apenas nos dão uma pequena amostra dos sentimentos e pensamentos das personagens.

Também é interessante notar que das 6 histórias que compõe esta antologia, quatro tratam de irmãos, sendo esse um tema bastante presente, representado na maneira de como o amor fraternal pode se manifestar de diversas formas. E como The Wedding Eve possui apenas um volume e conta com enredos diversos em cada capítulo, naturalmente não há um aprofundamento detalhado em cada personagem, mas isto não faz falta, pois Hozumi conseguiu passar na medida certa o que precisamos conhecer de cada uma das personagens.

Gostei especialmente do primeiro capítulo, que por sinal dá nome à esta antologia. É o tipo de narrativa que não esperamos ver um plot twist ou uma reviravolta inesperada, mas quebrando as expectativas, nos surpreende de uma forma extremamente terna e comovente. Quando pensamos se tratar da relação de um casal no último dia antes do casamento, Hozumi vem e nos passa uma doce rasteira e que faz total sentido dentro da trama. Não se trata de uma reviravolta encaixada de qualquer jeito, mas docemente incluída, um belo ode ao que significa o amor fraternal.  

Este aspecto surpresa aparece em outros capítulos desta coletânea, como no segundo, que mesmo tendo ares mais sobrenaturais, consegue surpreender e deixar o leitor com uma lágrima no canto dos olhos. Este capítulo também se tornou um dos meus favoritos, por mexer com memórias de entes queridos que partiram, mas que mesmo assim continuam presente de uma forma ou de outra. Simplesmente impossível não se emocionar com esta narrativa.

E por assim segue o mangá. É como se Hozumi manejasse um conta-gotas e que em cada história ela pingasse uma gotinha de mistério ou reviravolta no final. E cada uma destas gotas fez toda a diferença. Seja uma revelação sobre uma personagem que faleceu, um espantalho senciente, uma informação sobre um verdadeiro parentesco ou até mesmo a resolução de um mistério sobrenatural.

Não vou analisar cada capítulo individualmente, pois isto retiraria a maravilha de conhecer a obra de forma inédita e como um todo. Além disso, acho mais sensato ressaltar que este é um mangá indispensável para quem gosta de obras mais maduras e realistas no que concerne os relacionamentos humanos. Bem como, é um acréscimo inestimável aos josei, tão negligenciados no Brasil.

A arte de Hozumi também é digna de nota. Não é nada super extraordinário, mas os seus traços são bastante competentes e fluídos, perfeitos para este tipo de mangá. Como são histórias focadas na convivência cotidiana ou no encontro casual entre personagens, há um destaque nos pequenos detalhes da vida normal. Digno de nota também é o trabalho interessante da autora ao retratar uma narrativa onde se passa primariamente no Kansas, estado dos EUA. O que demonstra a sua versatilidade.

O que surpreende também é o fato destas serem as primeiras obras de Hozumi publicadas oficialmente em uma revista. Impossível dizer, sem conhecer sua história, de que se tratava de uma mangaká em início de carreira.

Já vi a indagação de que The Wedding Eve se trataria de um mangá indispensável ou não. Esta é uma pergunta impossível de responder, uma vez que se trata de um critério totalmente subjetivo. No meu caso, sempre terei boas memórias e um carinho imenso por este curto mangá e posso dizer que é um sopro de brisa fresca no verão. Assim termino a minha recomendação da semana.

 

Se houver interesse, segue outros mangás josei já analisados aqui no Dissidência Pop:

   AOI UROKO TO SUNA NO MACHI 

    HARU NO NOROI / THE CURSE OF SPRING

    MIKAKE NO NIJUUSEI

    MISU MISOU / HEPATICA

    OGEHA

    RIVER’S EDGE

    SILENT BLUE

    TOKAGE / LIZARD

    UNDERCURRENT

    ZASSOU TACHI YO TAISHI WO IDAKE

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