
Procurei trazer as informações a partir, sobretudo, de entrevistas com Murase e Satō, mas também há algumas especulações baseadas em interpretações do anime que li e algumas baseadas em ideias próprias. Primeiro, contextualizarei com spoilers a trama do anime com relação aos Proxies. Em seguida, discutirei a ideia central do anime para Murase, a de que há dois “eus” dentro de uma pessoa, através do debate sobre monismo e dualismo na filosofia; depois, buscarei mostrar como aparecem os ideais do gnosticismo e a busca pelo (auto-)conhecimento no anime; comentarei ainda sobre as influências do pensamento grego (especialmente o platônico) e renascentista na obra; por fim, concluo que o anime é sobretudo uma ode contra a ideia de destino e um incentivo à uma viagem interior.
As revelações de Ergo Proxy
Ergo Proxy tem uma trama densa. Não há um momento típico em que um dos personagens explica todos os mistérios da narrativa. Há, por outro lado, várias indicações aos poucos sobre pontos importantes. Um dos episódios que começa de forma mais aleatória é, na verdade, um dos mais reveladores do anime: o episódio 15, em que Vincent está em um quiz show. Aí o colapso ambiental que é o pano de fundo da obra é explicado: na segunda metade do século XXI, explosões de hidrato de metano eliminaram 85% da população mundial [1]. Os seres humanos que sobraram embarcaram em naves para o espaço e criaram 300 espécimes chamados de Proxy para restaurar o ecossistema e a vida na Terra [2].
Cada Proxy seria responsável por um domo, em que a vida humana é produzida através de úteros artificiais. Para esses humanos não desconfiarem disso, além do isolamento no domo, os AutoReivs foram criados para vigiarem eles (vemos bem isso na programação de Iggy nos episódios iniciais). No episódio 15, é dito que um plano alternativo, o Boomerang Project, envolvia o uso do vírus cogito. Isso não é muito bem explicado. Alguns fãs pensam que o cogito serviria para tornar os robôs conscientes, assim estes poderiam continuar o projeto de restauração da Terra caso os Proxies falhassem. Eu já imagino que o cogito foi feito para que os robôs exterminassem a raça humana e os Proxies para os habitantes de fora da Terra.
Embora os Proxies sejam extremamente poderosos, os humanos criaram eles com um ponto fraco que os mataria assim que a Terra fosse restaurada. Esse ponto fraco eram as células Amrita (que, ironicamente, significam “imortalidade” na tradição hinduísta-budista [3]): elas fazem com que os Proxies se desfaçam ao entrarem em contato com a luz solar. Ou seja, exatamente quando o Sol voltar a brilhar e a Terra voltar a ser habitada, os Proxies deveriam morrer. No episódio 15, temos algumas dicas da importância do Sol, na penúltima pergunta antes da abertura (que fala da distância entre o Sol e a Terra) e na pergunta sobre Rá, o deus Sol [4].
Solitários e sem entender bem seu propósito, os Proxies começam a ficar psicologicamente instáveis. Um dos Proxies, o Proxy One, se revolta contra os humanos e a natureza essencialmente cruel da sua existência, decidindo deixar de cumprir seu papel e exterminar a raça humana. Como ele diz no último episódio, “Nós abandonamos o dever descrito nos comandos daqueles que fugiram dos seus pecados”. Os pecados provavelmente se referem a destruição da Terra pelos humanos que foram pro espaço. Para dar cabo ao seu plano, ele manipula Raul, fazendo o disparar um míssil contra vários domos para começar uma guerra nuclear. Além disso, Proxy One se clona e cria Ergo Proxy, como o emissário da morte. Possivelmente o papel dele é o de destruir a raça humana de fora da Terra. Afinal, no embate final, Proxy One diz: “Nós deveríamos destruir mais uma vez a raça humana e morrer eternamente vitoriosos… Essa é a minha vingança”. E diz a Ergo: “O resto é com você” [5].
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Proxy One se rebela contra “o criador”, ou seja, os humanos; e antevê Ergo como o punidor da humanidade, como o emissário da morte |
Porém, o Ergo Proxy se nega a cumprir esse destino e apaga suas próprias memórias. Ele reaparece no corpo de Vincent Law, ou seja, de um simples humano sem muitas responsabilidades e cuja única meta era obedecer para se tornar um cidadão. Mas nosso protagonista recorrentemente tem sonhos que o assombram com o Proxy que está, em última instância, dentro dele. Assim, Vincent “estava definitivamente tentando escapar dessa outra existência dentro dele”, como diz Murase. Isso simboliza a fuga dos problemas, ainda segundo o diretor [6].
Dualismo e monismo: a relação entre corpo-mente e bem-mal
Esse outro “eu” dentro de Vincent de quem ele foge, nos leva ao tema que originalmente inspirou Murase a criar o anime: a ideia da existência de dois “eus” interiores ou duas personalidades. Inclusive é esse o grande dilema de Vincent ao longo do anime: descobrir seu “outro eu” (Ergo Proxy) dentro de si mesmo e de suas memórias reprimidas. Essa ideia de um corpo cindido representa vagamente o dualismo cartesiano, que pensa corpo e mente com duas entidades distintas. Talvez não por coincidência o que despertou o interesse do diretor pelo tema foi a frase de René Descartes “penso, logo existo” [7]. Ao contrário disso, existe o monismo, que pensa corpo-mente como uma unidade só. O anime encarna também esse debate entre dualismo e monismo.
Um famoso filósofo associado ao monismo é Gottfried Wilhelm Leibniz. Seu nome não me veio ao acaso; cheguei nele não só porque teve grandes debates com Descartes, senão principalmente porque o anime tem com uma das personagens fundamentais conforme a trama se desenrola a Monad Proxy. E Leibniz não só estudou as mônadas como propôs inclusive uma “monadologia”. Ele diz que a realidade é composta de mônadas: “essências, indivisíveis, imutáveis, fechadas, ‘sem portas nem janelas'”. Em última instância, ele propõe uma mônada suprema, que é Deus. Apesar de sua ideia de Deus como provedor de uma “harmonia” pré-determinada e como o criador do “melhor dos mundos possíveis”, Leibniz defende a existência do livre arbítrio junto com a ideia de um destino predeterminado por Deus. Essa aparente incompatibilidade é o que carateriza a obra desse “filósofo da harmonia, um conciliador por excelência, que busca realizar em sua obra a síntese entre pares aparentemente antagônicos” [8].
Leibniz é frequentemente oposto a Descartes quanto a ideia da relação entre corpo e mente. Descartes é tranquilamente admitido como dualista por separar mente e corpo. Grosseiramente, dois “eus” convivem dentro de mim: um inclusive “animal” (o corpo) que precisa ser dominado pela racionalidade (mente). Já Leibniz geralmente é considerado um monista (embora isso não seja consensual), pois há uma unidade entre mente e corpo pré-estabelecida por Deus. O ser humano é, portanto, uma completude, ainda que plural em sua composição. Outra interpretação vê um Leibniz dualista, porém sua ideia se diferencia de Descartes porque as ações físicas do corpo não tem impacto nas ações mentais e vice-versa, o que é chamado de paralelismo [9].
Todas essas ideias tem impactos significativos na ideia do que pensamos ser a personalidade de alguém. Por exemplo, se concordamos com o dualismo cartesiano, podemos entender que os AutoReivs antes do cogito eram meros corpos sem racionalidade. Só quando eles ganham auto-consciência de si mesmos, ou seja, quando passam a pensar, é que eles passam a ter uma identidade [10]. Numa perspectiva monista ou paralelista leibniziana, não é possível haver um corpo sem consciência e nem uma consciência sem um corpo.
Existem diversas outras perspectivas sobre a relação corpo-mente e elas são estudas pela chamada filosofia da mente. Destacarei aqui quatro, pois elas são a dos pensadores que dão nome as estátuas do governo de Romdeau. A mais simples é a de George Berkeley, para quem o mundo material é todo uma projeção da mente, logo só o que é percebido pela consciência é real. Para Jacques Lacan, o corpo biológico, embora existente, é muito mais produto do simbólico e do inconsciente. Edmund Husserl postula uma dialética entre corpo e mente, sendo que o corpo é ao mesmo tempo corpo imaterial e material. Já Jacques Derrida critica a oposição corpo-mente como mais uma das dicotomias características do pensamento ocidental (como razão/emoção, sagrado/profano, bem/mal, etc.) [11].
Não obstante, Murase parecia estar menos preocupado em discutir esse dualismo filosófico de mente-corpo e mais preocupado em discutir um dualismo cosmológico entre o bem e o mal dentro do ser humano. Essa ideia de bem-mal interno e a necessidade do equilíbrio entre ambos lembra a influente ideia chinesa de yin e yang. Segundo essa ideia, o mundo todo é um eterno equilíbrio entre de coisas aparentemente opostas, mas que, na verdade, são complementares: o mal só existe em relação ao bem e o bem só existe em relação ao mal [12].
Murase extrapola a questão do bem-mal interior para debater o dilema filosófico de se o ser humano é mau por natureza ou se a sociedade determina isso. Em última instância, ele diz que acredita que o ser humano convive com o bem e o mal dentro de si e que os problemas da sociedade seriam resolvidos melhor se as pessoas tomassem consciência disso e não fugissem de seus próprios problemas. Eis exatamente a saga de Vincent [13].
Gnosticismo e cristianismo: anjos rebeldes
Essa saga de assumir a responsabilidade por aquilo que se criou é explorada em Ergo Proxy através de alguns conceitos do gnosticismo como “mônada”, “demiurgo” e “deus-cego”. Embora não tenha sido a ideia original, como diz Satō, essas ideias foram incorporadas conforme os criadores viram que seus pensamentos convergiam com o do gnosticismo [14]. Mas você deve estar se perguntando: o que é o gnosticismo? Confesso que tive que pesquisar bastante para entender essa doutrina até porque existentes diversas interpretações e correntes. Mas vou tentar apresentar aqui alguns aspectos comuns desse pensamento [15]. Essencial ao gnosticismo é a ideia de que se o mundo é imperfeito é porque ele foi criado por alguém imperfeito. Diferente do cristianismo em que o mundo foi criado por um deus perfeito, nessa tradição o criador do mundo é um “demiurgo” ou um “deus-cego”.
Essa ideia, como diz um texto de apresentação do próprio gnosticismo, parece uma blasfêmia porque o criador cristão é Deus. Mas, tal qual uma tradição religiosa qualquer, ela ainda acredita num Deus supremo e verdadeiro. A diferença é que Deus não criou o mundo, mas, sim, criaturas emanadas de Deus chamadas de Aeons (ou “mônadas”), intermediários entre Deus e os humanos, de forma similar aos anjos na tradição judaico-cristão. Porém, essência divina emanada é corrompida e passa por mudanças prejudiciais no processo de construção do mundo pelos Aeons. Não obstante, um dos seres aeonicos chamado de Sophia emana de si uma consciência falha que dá origem a um ser que, sem saber de suas origens, imaginou ser o Deus supremo. Eis a origem do “demiurgo”.
Nesse sentido, os Proxies poderiam ser comparados aos demiurgos porque, embora equiparados a deuses, na verdade, eles são apenas subprodutos dos humanos fora da Terra. Estes últimos é que seriam os deuses criadores dos Proxies. Meras figuras intermediárias, os Proxies seriam como os anjos. E o significado da palavra “proxy” nos dá indicações disso; ela significa “um agente ou um substituto autorizado para agir por outra pessoa”. Durante o quiz do episódio 15, quando Vincent parece só estar falando palavras aleatórias, uma das respostas dele é “bode expiatório” ou “substituto”. Não seria coincidência também o título do último episódio poder ser traduzido como “substituto” ou “representante”. Além disso, Proxy One diz que para entender o sentindo dos Proxies basta “entende a palavra em si” [16]. E os Proxies são exatamente agentes utilizados pelos humanos restantes, através do “Proxy Project”, para tornar a vida na Terra habitável.
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No embate derradeiro entre Ergo Proxy e Proxy One, este revela que os Proxies são meros “representantes do Criador” |
Assim, Proxy One seria como um anjo que se revolta contra as ordem do seu deus; ou na mitologia cristã, Lúcifer. Mas, como é Ergo Proxy o único a sobreviver no final e a decidir ficar vivo para enfrentar a raça humana de fora da Terra, ele também poderia ser essa figura. Não obstante, já que é o emissário da morte, seria mais apropriado que ele fosse um anjo da morte. Os mais famosos são Azrael e Samael. Meu foco será em Samael, pois Azrael é um anjo da tradição judaica e islâmica e aparentemente não é citado pelo gnosticismo. Já Samael é uma figura bastante importante nessa tradição, embora haja posicionamentos bastante díspares sobre o que ele representa. Para boa parte das tradições ortodoxas do gnosticismo, ele seria o “demiurgo” ou o “deus-cego”; para outras, chamadas de “neo-gnosticismo” e encabeçada pelo colombiano Víctor Manuel Gómez Rodríguez (sob o nome de Samael Aun Weor), os anjos da morte são fundamentais para alcançar a gnosis, ou seja, o conhecimento [17].
O interessante é o que esse conhecimento contraposto a ignorância é uma questão mencionada tanto pelos defensores como pelos críticos do gnosticismo. Diz, por exemplo, um site cristão que fala da “Ameaça do gnosticismo” que, para essa doutrina, “[…] o espírito caiu neste mundo e se tornou um prisioneiro da matéria. Sendo assim, é necessário libertar o espírito desta prisão; e isto é obtido por meio do conhecimento ou gnosis“. Um texto de apresentação do gnosticismo, por sua vez, diz: “Os seres humanos são geralmente ignorantes da centelha divina dentro de si. Esta ignorância é fomentada na natureza humana pela influência do criador falso e seus Arcontes, que juntos têm a intenção de manter homens e mulheres ignorantes de sua verdadeira natureza e destino. Qualquer coisa que nos faz permanecer preso às coisas terrenas serve para nos manter em escravidão por esses governantes inferiores cósmicos” [18].
Esse tema combina perfeitamente com a busca da verdade pelos personagens de Ergo Proxy, tanto Vincent quanto Re-l e até Raul quando eles questionam o governo de Romdeau. (Demonstrei mais detalhadamente isso no outro texto.) E o gnosticismo parece ir nessa linha ao incentivar a “não-conformidade” e ao entender que “Regras de conduta podem servir a fins diversos, incluindo a estruturação de uma sociedade ordenada e pacífica. Regras, no entanto, não são relevantes para a salvação, que é provocada apenas pela Gnose” [15]. Coincidentemente, Romdeau é uma sociedade bastante regrada e a “salvação” dos personagens está exatamente em buscar o conhecimento para questionar seus fundamentos.
Se Raul questiona o Deus de Romdeau, que é o Ergo Proxy, este por sua vez questiona o deus supremo: os seres humanos que o criaram. Assim, há uma certa subversão tanto do ideário cristão quanto do ideário gnóstico tradicional em Ergo Proxy já que a criatura “inferior” passa a questionar seu superior. Para citar Samael Aun Weor, “As vestimentas funerais e a esquelética figura dos Anjos da Morte horrorizam aqueles que ainda não despertaram a consciência” [17]. Desperto, Ergo Proxy, o emissário/anjo da morte, certamente horrorizará os humanos ao verem sua criatura se voltando contra eles mesmos.
Gnosticismo e psicologia: (auto-)conhecimento e memórias
Mas para Vincent/Ergo Proxy chegar ao ponto de se voltar contra seu(s) deus(es) foi um longo caminho de auto-descoberta. Vincent já tinha sonhos (que, na verdade, eram memórias) com os Proxies desde o episódio 3 e Kazkis, o Proxy que ele encontra no episódio 9, já tinha indicado que Vincent apagou a própria memória. No episódio 20, nossos personagens vão a uma “consultora mental”, ou seja, uma psicóloga e há uma longa narrativa sobre memórias. Porém, o episódio mais significativo sobre o tema foi o episódio 11. Neste, o senhor que ele encontra na livraria insiste que: “O que você procura sempre esteve no seu próprio coração”. E ao longo do episódio a discussão da memória ganha um aspecto central, com Proxy One aparecendo e dizendo que ele não se lembra porque “não quer lembrar” [19].
Outro elemento importante do episódio 11 é a menção da palavra “anamnesis“, que provavelmente não à toa é o subtítulo do próprio episódio. O episódio diz que as palavras costumam ter dois significados, “contradições internas” que revelam uma verdade. Aqui o dualismo já explorado no ser é utilizado para falar das palavras. A palavra “anamnesis“, por exemplo, significaria tanto “memória” como “recordação”. Porém, segundo a filosofia de Platão (que veremos que é bastante significativa no anime na próxima seção), é a ideia de que os seres humanos possuem conhecimentos inatos e que o aprendizado consiste em redescobrir esse conhecimento dentro de nós mesmos [20]. Ou seja, aplicando as ideias discutidas na seção sobre dualismo e monismo, é preciso que o “eu” desvinculado do seu conhecimento (no caso, Vincent) redescubra o conhecimento dentro do seu “outro eu” (ou seja, as memórias apagadas sobre ser o Ergo Proxy).
É de se notar ainda que dois grandes psicólogos do inconsciente são citados na série: Lacan, como nome de uma estátua; e Carl Gustav Jung, no episódio 15. O inconsciente quase sempre é associado a uma segunda identidade mais “profunda” que vive dentro de nós mesmos. Um fato interessante é que, quando Jung é apresentado no quiz, ele é chamado de “rei do submundo”. Essa alcunha para ter sido dada a ele por Colin Wilson, que escreveu em 1984 o livro Lord of the Underworld: Jung and the Twentieth Century (traduzido no Brasil como “Senhor dos Mundos Subterrâneos: Jung e o Século XX”; e coincidentemente republicado um ano antes do lançamento do anime como C. G. Jung: Lord of the Underworld). Wilson era um autor que se dedicou a escrever sobre fenômenos paranormais e misticismo [21]. Então o que isso teria a ver com o filósofo do inconsciente?
Várias possibilidades poderiam ser apontadas. Dentre elas, o fato do inconsciente poder ser considerado esse “submundo” que existe dentro de nós mesmos. Outra é que ele teve interesse pelo gnosticismo, que acreditava ser um registro das experiências interiores dos praticantes e que leva a uma “psicologia profunda”, e inclusive escreveu um livro chamado Sete Sermões aos Mortos sobre a doutrina. Além disso, Jung se interessou e escreveu durante sua vida sobre fenômenos paranormais, ocultismo e alquimia (esta última, interesse citado no próprio episódio, era considerada continuação do pensamento gnóstico). Segundo o Jung Institute of Los Angeles, “sua própria experiência com os assim chamados fenômenos ocultos levaram-no a formular e descrever vários [dos seus] conceitos-chaves” [22].
Talvez o conceito mais interessante de Jung que se liga com o “submundo”, porém, é a ideia de nekyia. Esse termo vem do grego e significa tanto uma conversa com os mortos quanto uma viagem ao mundo dos mortos (embora há quem diga que esta última ideia seja melhor representada pelo termo katabasis). Jung usou o termo como uma métafora para “uma descida ao mundo das trevas do inconsciente”. Em termos mais completos, diz ele: “A nekyia é […] uma descida a caverna da iniciação e do conhecimento secreto. A jornada através da história psíquica da humanidade tem como seu objetivo a restauração do homem como um todo, despertando as memórias […] que foram perdidas quando o homem contemporâneo perdeu a si mesmo em sua unidimensionalidade”. Nesse processo, há “um reconhecimento da bipolaridade da natureza humana e a necessidade de pares de opostos conflitantes” [23].
Essa noção da nekyia como uma jornada de (auto-)descobrimento pelo inconsciente do próprio “eu interior” reflete muito bem a jornada pela qual Vincent tem que passar para se descobrir enquanto Ergo Proxy. A ideia de “pares de opostos conflitantes” também combina com o dualismo já discutido e a noção de um ser humano cindido em sua natureza. Interessante notar que o episódio 11 também cita a palavra “logos“, que na tradição filosófica ocidental desde a Grécia significa “razão”, que é geralmente tido como o oposto complementar de “pathos”, que significa “experiência” e geralmente é usado para representar a ideia de emoção. Jung também utiliza-se da palavra “logos“, mas como o oposto de “eros“, representando as dualidades entre masculino/feminino, razão/imaginação, ciência/misticismo e ação consciente/inconsciente. No geral, inclusive ele analisava as situações a partir desses pares por influência da ideia de yin e yang e pelo neoplatonismo (veremos a importância desse último logo mais). Sua ideia de “arquétipo” (como um modelo comportamental geral) “nada mais é do que uma expressão já existente na Antiguidade, sinônimo de ‘ideia’ no sentido platônico” [24].
O já citado Derrida criticava justamente essas oposições dualísticas e talvez a busca pelo equilíbrio entre esses dois polos humanos seja a mensagem da série. Em oposição a dualidade do ser humano, há a unicidade de um ser supremo tanto na tradição filosófica (em geral e especialmente grega) e no gnosticismo. “Mônada”, “o Um”, “o Absoluto” são alguns dos termos para significar uma unidade indivisível (como vimos com Leibniz), uma singularidade e também “a soma de todos os seres” [25]. Todas essas discussões remontam a tradição da filosofia grega. Veremos a seguir então um pouco mais sobre as influências desse pensamento no anime.
Filosofia e mitologia grega e o Renascimento
A filosofia grega talvez seja uma dos fios condutores mais importantes da série. Já comentei da importância da filosofia política de Aristóteles e Platão no meu outro texto. Nesse, já mencionei a ideia platônica de “anamnesis” e a influência neoplatônica no pensamento de Jung. Há muito mais, especialmente de Platão e do neoplatonismo. Mas comecemos pela mais simples e famosa: a alegoria da caverna. Mencionei no outro texto, mas não discuti em detalhes seu significado dentro da filosofia idealista de Platão. A alegoria não é só uma discussão sobre a importância do conhecimento e de se libertar das correntes da ignorância. Ela é sobre a percepção platônica de que os sentidos são enganadores e o mundo das ideias é de onde se obtém a verdade.
Vamos por partes então. Para quem não conhece, a alegoria fala de um grupo de escravos que nasceu dentro de uma caverna e nunca viu a luz do sol. Elas estão amarradas e só podem ver as sombras de pessoas e objetos projetadas por uma fogueira e os ecos das vozes das mesmas. Esse é o mundo para esse grupo de pessoas. Quando um deles sai da caverna, descobre um mundo totalmente diferente do que estava habituado e a claridade inclusive ofusca seus olhos de início. Já disse no outro texto e reitero que essa é a situação dos habitantes de Romdeau na sua busca por liberdade.
No entanto, Platão usou essa alegoria (ou metáfora) para dizer que os sentidos corporais (visão e audição, em especial nesse caso) podem nos dar uma falsa percepção da realidade que só poderia ser alcançada totalmente por meio do intelecto. Assim, vemos já em Platão o dualismo entre corpo e mente que boa parte da tradição filosófica ocidental discutiu posteriormente. Descartes, o grande inspirador do anime, é colocado por alguns na tradição (neo) platônica por defender igualmente uma superioridade da razão contraposta a possível falsidade do corpo. Ele inclusive ele põe em questão a existência da sua matéria física, concluindo pela existência de sua materialidade através do seu pensamento na famosa frase “Penso, logo existo” [26].
O neoplatonismo esteve bastante em voga durante o período do chamado Renascimento na Itália. Ele influenciou não só filósofos, mas também, por exemplo, o pintor, escultor e poeta Michelangelo. Sua obra com um fundo religioso “atesta essa vontade de libertar o espírito do corpo (da matéria, da pedra) para que possa alcançar o divino e a luz”. Aqui vemos o mesmo platonismo (e até o dualismo cartesiano antes de Descartes) que favorece a mente/espírito (o imaterial) em favor do corpo/matéria. Mas por que Michelangelo? Bom, é ele quem começa o anime. Na epígrafe do primeiro episódio, vemos um poema seu:
“Querido para mim é o sono, mais ainda o sono de pedraEnquanto o dano e a vergonha permanecem em terra;Não ver ou ouvir é minha grande sorte;Por isso não me perturbem; falem baixo”
Podemos entender essa citação dentro do contexto do desejo inicial de Vincent de apagar suas memórias e permanecer num “sono” perante a realidade de “dano e vergonha” que afligia o mundo. Michelangelo diz em outro poema: “Contigo no coração, valho mais que eu mesmo,/ como pedra que depois de talhada,/ vale mais que pedra bruta”. Para usar analogias do artista italiano, Vincent ainda precisava ter seu “eu” interior esculpido para chegar a “revelação do espírito, libertação da matéria em direção à luz” [27], ou seja, para se autoconhecer de fato e para se distanciar de seu simples corpo material que o levava a crer que Vincent, sua aparência exterior, era seu verdadeiro eu, quando, na verdade, ele precisa encontrar Ergo nas profundidades de sua mente, da sua alma.
E as referências a Michelangelo não param. As estátuas do conselho de Romdeau, claramente obras renascentistas, provavelmente foram inspiradas pelos trabalhos do italiano. Afinal, o trecho de abertura do anime é um epigrama que o artista escreveu como se falasse por meio de uma de suas estátuas, a Noite. Essa estátua, localizada na capela dos Médici, forma um dos dois pares com a estátua Dia na tumba de Juliano II de Médici; e o outro par é formado pelas esculturas Aurora e Crepúsculo na tumba de Lourenço II de Médici. Fato interessante é que outro renascentista, Nicolau Maquiavel, dedicou O princípe a Lourenço. Na série, o governo de Romdeau encarna a ideia do rei-filósofo de Platão que guarda semelhanças com o “déspota esclarecido”, como poderíamos chamar um governante “iluminado” por Maquiavel [28].
Por fim, voltando a Grécia clássica, temos referências também à mitologia grega, especialmente centradas em Daedalus, ou seja, Dédalo, o construtor do labirinto em que fica preso Minotauro. Além do episódio 3 se chamar “mazecity” (cidade-labirinto), os criadores do anime disseram que queriam incluir o mito do Minotauro na série [29]. As referências mais óbvias são a Ícaro, filho de Dédalo no mito grego que voa alto demais e morre, bem como acontece com a Monad, que foi criada por Daedalus no anime; e a Ariadne, que guia Teseu (que luta contra Minotauro) para fora do labirinto com um novelo, o que vemos no episódio 18, quando a Monad pequena brinca com um novelo. Sobra ainda entender quem seria o Minotauro, Teseu e o rei Minos (o pai de Teseu, que mandou construi ro labirinto) nessa estória.
Penso que o labirinto é tanto Romdeau quanto a mente de Vincent. De uma forma ou de outra, se o labirinto é um lugar a qual os personagens estão condenados, o tema geral de sair de lá para adquirir a liberdade fica mantido. A questão que fica é quem criou o labirinto? Tanto no caso da confusão mental de Vincent quanto Romdeau a resposta é a mesma: Vincent/Ergo Proxy. Se pudermos separar didaticamente os dois, diria que Ergo criou o labirinto e aprisionou Vincent lá, o que bem pode ser estratégia dele mesmo para fugir dos problemas e do seu destino. No mito original, Dédalo é quem cria o labirinto e fica preso nele. Se Dédalo cria o labirinto a pedido de Minos, quem depois o confina a ele, poderíamos dizer que o “Minos” de Ergo são os humanos que o ordenaram a criar o domo e depois o fizeram prisioneiro da sua existência limitada destinada a morte.
O paradoxal é que, pensando na figura de Minotauro enquanto uma figura metade monstro e metade humana é Vincent/Ergo também quem mais se aproxima do personagem. Assim, ao mesmo tempo em que cria o labirinto e fica preso nele, ele é também o monstro que o assombra, assim como Vincent é inicialmente assustado pelos seus sonhos com o Proxy. Para sair do labirinto, é preciso ser engenhoso: no mito, Dédalo cria asas para fugir do labirinto; no anime, Vincent precisa encontrar a si mesmo. Em ambas as narrativas, na fuga do labirinto um amado morre: no caso grego, é o filho Ícaro; no anime, Monad. Porém, para fugir é preciso de duas coisas: um motivo (que para Vincent/Ergo é a paixão por Re-l) que o guie (assim como o fio de Ariadne guia Teseu); e encarar o monstro do labirinto (e, tal qual Teseu enfrenta Minotauro, Vincent batalha contra Ergo).
Não tenho como saber se meus paralelos estão corretos porque os criadores não dão nenhum indício e não vi nenhuma análise que discutia o mito grego para além da relação entre Dédalo e Ícaro e Daedalus e Monad. Sei que pode se argumentar que os demais personagens não estão muito equivalentes e que repeti Vincent várias vezes. Mas nem tudo bate mesmo. Por exemplo, no anime, Daedalus se apaixona por Re-l, mas Dédalo não se apaixona por nenhuma das personagens que ela poderia metaforicamente representar: nem Ariadne e muito menos por seu filho Ícaro (embora ele o amasse, evidente). Dédalo também não recria nenhum ente perdido tal como Daedalus recria Re-l através de Monad. Enfim, alegorias podem ser usadas não tão linearmente e penso que não exagerei nos meus paralelos.
Considerações finais
O anime todo parece trabalhar com algumas oposições complementares, como entre os casais Ergo e Monad enquanto morte e vida e Kazkis e Senex como sol e lua. O interessante é que as estátuas de Michelangelo também poderiam ser entendidas como representando esses casais e seus significados; afinal, seus nomes eram Dia (sol), Noite (lua), Aurora (vida) e Crepúsculo (morte). Outro que usa os pares complementares sobre sol e lua é Jung. Lembra da oposição logos/eros? Pois bem, ele equivale o primeiro ao masculino e ao sol e o segundo ao feminino e a lua. A ideia de sol e lua são extraídas da alquimia, que, segundo o psicólogo, funcionava como uma metáfora para o processo que ele chamava de “individuação”.
A individuação é o processo pelo qual o ser se diferencia dos outros, ou seja, se torna um indivíduo. Mas, para se tornar um indivíduo é preciso passar por uma “integração psicológica”, ou seja, se tornar um inteiro. E como se faz isso se a pessoa é composta de opostos para Jung? A questão é que os opostos não são excludentes, mas complementares. A equação para a binariedade do logos masculino e eros feminino, Jung encontra na ideia de animus e anima. Enquanto animus é o lado masculino da mulher, anima é o lado feminino do homem. É preciso, pois, alcançar as “coniunctionis” (conjunções ou combinações) através do autoconhecimento para reconhecermos e integrarmos esses elementos inconscientes em nosso ser, diria Jung [30].
Essencialmente, então, Ergo Proxy é uma reflexão sobre a dualidade do ser e o equilíbrio que devemos buscar com nós mesmos. Se é preciso buscar no nosso interior, é preciso também abandonar imposições externas, como a concepção arbitrária de “destino”, que é uma ideia recorrente na série. É o tema da quinta sinfonia de Beethoven, como lembra o anime em uma das perguntas no quiz show. É o grande tema do último episódio: enquanto Proxy One e Daedalus estão mais conformados com seu destino, Re-l e Vincent lutam contra ele. É a fala decisiva de Ergo à Monad: quando diz a ela que não quer cumprir seu destino como um Proxy, que era o de morrer no céu azul. Por outro lado, é a busca pelo próprio destino e pelo próprio caminho, mesmo que seja contra toda a humanidade.
A abertura nos fala também do destino: “You complete my fate” (“Você completa meu destino”). Poderia ser um contrassenso falar em completar um destino quando aparentemente a luta de nossos protagonistas foi contra ele. Por outro lado, a trama é a busca pelo próprio destino e pelo próprio caminho, mesmo que seja contra toda a humanidade, como é no final. Apesar de haver o apelo “come and save me” (“venha e me salve”), penso que é um pedido de si para si mesmo. Afinal, é o que a trama indica em várias de suas nuances: ser uma busca interior, como vemos também no trecho “The world unwinds inside of me” (“O mundo se desenrola dentro de mim”).
Notas:
[Nota 4: Segundo o player do Goyabu, a pergunta sobre a Terra e o Sol começa aos 1:15; a pergunta sobre Rá está em 20:42.]
[Nota 5: Aos 10:39, Proxy One diz a primeira frase. Depois, aos 14:41, diz a outra.]
[Nota 6: Em uma entrevista, perguntam aos criadores do anime: “Nós tivemos a sensação de que o tema principal da série se foca em assumir a responsabilidade por aquilo que você cria no mundo. Mas Vincent parecia estar sempre tentando fugir do que estava dentrodele, fugir do que ele criou. Isso está certo? (“We got the sense that the main theme of the series focused on taking responsibility for what you create in the world. But Vincent seemed to be always trying to run away from what was inside him, to run away from what he had created. Is that correct?”). Ao que Murase responde: “Sim, Vincent estava definitivamente tentando escapar dessa outra existência dentro dele” (“Yes, Vincent was definitely trying to get away from that other existence inside of himself”). E continua: “Essencialmente, os japoneses parecem não entender ou [não] ter culhões para olhar diretamente para seus eus interiores e é por isso que há tantos problema na sociedade japonesa nesse momento. Nesse sentido, a população inteira do Japão está tentando fugir dos seus problemas, assim como Vincent estava correndo desses aspectos dentro dele mesmo. Eu fiz Ergo Proxy na esperança de representar esse problema. (“Essentially, the Japanese do not seem to understand or have the nerve to look directly at their own inner selves, and that is why there are so many problems in Japanese society right now. In that sense, the entire population of Japan is in some way trying to run away from their problems, just like Vincent was running away from those aspects inside of himself. I made Ergo Proxy in the hope of representing this problem”). In: SCALLY, Deborah; DRUMMOND-MATTHEWS, Angela; HAIRSTON, Marc. “Interview with Murase Shūkō and Satō Dai“. Mechademia, v. 4, 2009. p. 330.]
[Nota 12: Uma boa síntese seria: “O ‘bem’ não é Yin nem Yang, mas sim o equilíbrio entre eles! O ‘mal’ acontece quando o fluxo entre os polos entra em desequilíbrio” (In: “O significado do símbolo Yin e Yang“. Expedicão Vida, 13/06/2013). Ver também: “Yin and yang” e “Dualistic cosmology” na Wikipédia. Devo esse insight sobre yin e yang ao texto “Ergo Proxy: an indepth look“, publicado no site AminoApps em 03/06/2016.]
[Nota 16: Para a definição da palavra, consultar: “proxy“, no Wikitionary. Coincidentemente, “proxy” também é um termo na paleoclimatologia (estudo dos climas passados) para características preservadas do passado que dão indicações mais gerais sobre o clima de uma época. Foi assim que provavelmente os cientistas deduziram as informações que sabem sobre o hidrato de metano. Ver: “Proxy (climate)“, na Wikipédia em inglês. No episódio 15, a palavra que aparece em japonês é “身代わり”; ela pode ser traduzida das duas formas. Na versão de fansub, aos 21:17, vemos que usaram “bode expiatório” e, na versão dublada em inglês, ouvimos “substitute”. O título do último episódio é “代理人”. Nesse episódio, Vincent pergunta para Ergo Proxy o que são os Proxies a partir dos 5:23. Apesar disso, Satō disse que escolheu o título da obra só porque “soa legal” (In: HEFFERNAN, Virginia. “Ergo Proxy: The Official Language of the Internet”. The New York Times, 07/03/2008). Devo esse insight dos anjos ao comentário de “zukovyper” no artigo do blog “É Só um Desenho”.]
[Nota 20: Sobre as palavras terem “contradições internas”, estou me guiando pela dublagem em inglês; a partir dos 13:07 é dito: “There’s a magic inherited in language. Our world is ruled by logos. Some words contain their own internal contradictions. From these oppositions, great truths can be revealed”. A versão do fansub tirou esse sentido: “A magia contida nas palavras do livros é ‘logos‘, os princípios que permitem conquistar esse mundo. Ou seja, essas palavras são a chave para entender o mundo” (O que houve provavelmente foi uma má tradução de “rule”, que é tanto “conquistar” quanto “reger”; o certo deveria ser: “o princípio que rege esse mundo”. Fora que a legenda nem menciona a ideia de opostos.) Busquei o original para “desempatar”; graças a esse blog de algum fã japonês muito dedicado, o encontrei (“この世界を支配するのはロゴス。すなわち、しばしば反対の意味を語る言葉にこそ世界の秘密が現れているものだ”). E “反対の意味” (“significados opostos”) está ali. O significado de “anamnesis” também foi levemente destorcido já que, no fansub, diz que é “memória” e “recoleta” (tradução muito literal de “recollection”, que é “lembrança” ou “recordação”); em japonês foram usado os termos “記憶” (memória) e “想起 (recordação). Sobre Platão, consultar: “Anamnesis (philosophy)“, na Wikipédia.]
[Nota 21: Em primeiro lugar, sobre o episódio 15, o fansub erra novamente porque traduz a pergunta (a partir dos 20:11) como “Que tipo de rei Jung reverenciava?” e acerta parcialmente quando traduz a resposta para “rei dos mortos” (o que é compreensível, já que o “submundo” também é às vezes chamado de “mundo dos morto”). Já a versão dublada em inglês acerta na pergunta “Jung was also known as the king of what?” (“Jung também era conhecido como o rei do que?”), mas erra parcialmente na resposta quando diz “king of subconscious”/”rei do inconsciente” (o que é entendível na medida em que era o que ele estudava). Na versão japonesa, a pergunta é de fato “ユングは何の王者と称されたでしょうか” (“Jung foi chamado de rei do que?”), porém a resposta é: “冥界の王者” (“rei/lorde do submundo/do mundo dos mortos”). Sobre o livro de Wilson, ver a Amazon (para a primeira versão em inglês), a Livra Machado de Assis (para a versão em português) e o Jung Institute of Los Angeles (para a republicação de 2005).]
[Nota 22: Sobre o gnosticismo e Jung, ver: a parte sobre Jung em “Gnosticism in modern times”, na Wikipédia; a parte “Gnosis e Psique: Uma Conexão com a psicologia profunda”, do texto do blog Gente Feliz Não Incomoda Ninguém!!! (ver nota 15); “C. G. Jung and Gnostic Tradition: Gnosis, Gnosticism and Jungian Psychology“, Gnosis.org; CARDOSO, Heloisa. “As Bases Gnósticas do Pensamento de Jung“. Instituto Junguiano do Rio de Janeiro, 10/08/2018; QUINTANA, Carlos Bein. “A gnose jungiana: estudo das noções de corpo e mente em Jung e suas raízes no gnosticismo“. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – São Paulo: PUC-SP, 2009. A citação do Jung Institute of Los Angeles (citado na nota 21) é uma tradução própria de “his own experience of so called occult phenomena led him to formulate and describe a number of key concepts”.]
[Nota 23: Sobre a “nekyia”, ver o artigo da Wikipédia sobre. Para a utilização de Jung, extrai as seguintes citações diretas da obra de Jung de “Nekyia: descent to the underworld“, do blog Soul Spelunker. São elas: “descent into the dark world of the unconscious”, “The Nekyia is […] a descent into the cave of initiation and secret knowledge. The journey through the psychic history of mankind has as its object the restoration of the whole man, by awakening the memories […] who w[ere] forgotten when contemporary man lost himself in one-sidedness” e “a recognition of the bipolarity of human nature and of the necessity of conflicting pairs of opposites”.]
[Nota 24: A menção a “logos” no episódio já foi citada na nota 20. Sobe o termo consultei, “Logos” na Wikipédia, especialmente a parte “Jung’s analytical psychology”. A citação final do parágrafo é de seu livro Arquétipos e o Inconsciente Coletivo (apud MOURÃO, Hellen Reis. “Sol e Lua astrológicos em uma visão junguiana“. Café com Jung, 25/05/2013).]
[Nota 25: A crítica de Derrida já foi mencionada no texto e na nota 11; a citação de Queiroz (2015) menciona especificamente a dualidade logos/pathos que ele critica. Quanto a ideia de “mônada”, “o Um” e “o Absoluto”, ver “Monad (Gnosticism)” (citado nota 15), “Monad (philosophy)” e “Absolute (philosophy)“.]
[Nota 26: Sobre a alegoria da caverna, ver: PORFÍRIO, Francisco. “Mito da Caverna e Matrix“, Brasil Escola. Devo ao texto do AminoApps a dica inicial de Descartes como neoplatônico. Confesso que nunca tinha pensado nisso e o consenso filosófico geralmente não diz isso. Por exemplo, a enciclopédia Stanford diz que embora, “ele sustentasse que a essência da matéria pudesse ser apreendida através de ideias inatas”, o que fazia ele “concordar com a tradição platônica na filosofia, que desmerecia o conhecimento sensorial e sustentava que as coisas conhecidas através do intelecto tem uma realidade maior do que os objetos dos sentidos”, ele, “entretanto, não era platônico” (“he held that the essence of matter could be apprehended by innate ideas […] To that extent, his later position agrees with the Platonic tradition in philosophy, which denigrated sensory knowledge and held that the things known by the intellect have a higher reality than the objects of the senses. Descartes, however, was no Platonist”). Porém o ótimo texto de Stephen Buckle, “Descartes, Plato and the Cave“, me faz concordar com a colocação de Descartes na tradição platônica. Ele argumenta: “[…] a divisão fundamental do pensamento de Descartes, espelhando aquela entre corpo e mente, é a divisão entre sentido e intelecto. A agudez dessa divisão e a exigiência de que a tarefa do investigador é se desviar dos sentidos em favor do intelecto é inegavelmente platônica. Na verdade, é central a mensagem de Platão. Isso é visto mais vividamente nas famosas alegorias do sol, da linha e da caverna em A república: todas as três alegorias apresentam a mensagem de que o conhecimento verdadeiro requer o afastamento do mundo sensível de mudança e ruína em favor das verdades eternas descobríveis pelo intelecto” (“[…] the fundamental divide in Descartes’ thought, mirroring that between the body and mind, is the division between sense and intellect. The sharpness of this divide, and the requirement that the enquirer’s task is to turn away from the senses to the intellect is undeniably Platonic. Indeed, it is central to Plato’s message. This is shown most vividly in the famous allegories of the sun, line and cave in the Republic: the three allegories all present the message that true understanding requires turning away from the sensed world of change and decay to the eternal truths discoverable by the intellect”). O “sol” se refere a “metáfora do sol” e a “linha” citada se refere a “analogia da linha divida“.]
[Nota 27: Devo o insight sobre Michelangelo, novamente, ao texto do site AminoApps. Sobre Michelangelo e o neoplatonismo ver: BECKER, Angela Weingärtner. “Michelângelo e o Neoplatonismo“; HAUBERT, Laura Elizia. “Notas sobre a influência platônica em Michelangelo“. Revista Philia, v. 1, n. 1, 2019. As citações desses dois primeiros parágrafos sobre o italiano foram extraídas de: CARVARLHO, Bernardo. “Poesia de Michelangelo martela o corpo“. Folha de S.Paulo, 29/08/1994. Para afirmação de que o ideário neoplatônico estava “bastante em voga naquela época” do Renacimento, ver: VOMERO, Maria Fernanda. “Por que Leonardo da Vinci e Michelangelo não se bicavam?“. SuperInteressante, 31/12/2000. Para o texto da epígrafe, fiz uma mistura para deixar uma linguagem mais direta e simples a partir das traduções do fansub, da Netflix e do livro Poemas de Migueângelo (com seleção de Andrea Lombardi e tradução de Nilson Moulin).]
[Nota 30: Para essas reflexões sobre os opostos complementares em Jung, consultei os artigos na Wikipédia sobre “Logos” (já citado na nota 24); a parte sobre alquimia no artigo “Carl Jung”; a parte sobre Jung em “Individuation”; e as páginas “Anima and animus” e “Mysterium Coniunctionis“. Me foram úteis também: ASSARICE, Ricardo. “Casamento Alquímico e Taoísmo: O Sol e a Lua“. Deldebbio.com.br, 08/10/2015; e Mourão (2013; também citado na nota 24), especialmente a conclusão: “Jung, em seus estudos de alquimia, observou que é fundamental que o indivíduo busque a harmonia entre esses dois opostos. A integração do lado masculino (o animus no caso da mulher), solar e consciente com o lado feminino (a anima no caso do homem), lunar e inconsciente é que ele chamou de coniuntio. A ‘salvação’, então, está no autoconhecimento, pois somente dessa forma podemos reconhecer e integrar esses elementos inconscientes em nossa alma”).]