Eu já escrevi sobre quase todo tipo de mangá no Dissidência Pop, e muita coisa bizarra e esquisita já apareceu por aqui, mas posso dizer que hoje eu me superei!
Sore wa Tada no Senpai no Chinko é um mangá que abrange várias histórias relacionadas em uma realidade alternativa onde os pênis dos garotos podem ser cortados fora e crescem depois de algumas semanas, e como só isso não bastasse, estes pênis cortados vivem por um tempo como seres vivos completamente autônomos, apresentando necessidades básicas como comer ou dormir. E é justamente esta interação entre diversas garotas e os pênis de seus senpais que gira essa obra nem um pouco usual. Mas já adianto que o mangá não é nem um pouco ofensivo, muito menos pornográfico, está mais para uma comédia non-sense mesmo, e com algum conteúdo para fazer refletir.
Complementando o parágrafo anterior, vou chamar aqui no texto os pênis de “pintos”, que é um termo pejorativo, porém não dos mais ofensivos, para se referir ao órgão sexual masculino, e isso possui um bom motivo. Um dos fatos que fazem esse mangá não ser ofensivo graficamente é justamento o fato dos pintos serem “fofos”. Não são pintos em sua totalidade gráfica, mas apenas pequenos órgãos cobertos pelo prepúcio, o que lhes dá um aspecto até engraçado (estou morrendo de rir enquanto eu explico isso). Melhor do que minhas explicações é vocês darem uma olhada sobre o que eu estou falando!
Depois desta “pequena introdução” (me perdoem o trocadilho de mau gosto), vamos aos dados de Sore wa Tada no Senpai no Chinko. Primeiro vou escrever um pouco sobre esse nome, que por sinal é bem “longo” (outra piada sobre pinto, eu não tenho jeito mesmo!), ele significa simplesmente o seguinte, em uma tradução rápida: “Isso é apenas o pinto do senpai”. Não poderia ter sido um título mais correto que este. Ao menos se você levar em conta que o conteúdo dos capítulos deste mangá não são tão simples como o título, já que pintos gigantes, chuvas de esperma e uma piscina de pintos são coisas corriqueiras em Sore wa Tada no Senpai no Chinko.
Não posso dizer que o autor deste mangá, Youichi ABE, não seja especialista em narrativas non-sense, pois eu mesmo já resenhei um mangá seu aqui no blog, Daidai wa, Hantoumei ni Nidonesuru, que também era uma coletânea de histórias extremamente bizarras que se passavam com os habitantes de uma cidadezinha pesqueira. Não li todas as obras dele, mas ouso dizer que todas mantém o mesmo tom bizarro, como a sua obra mais proeminente, Chimoguri Ringo to Kingyobachi Otoko.
Sore wa Tada no Senpai no Chinko foi publicado originalmente na revista Ohta Web Comic, que como o nome logo sugere, é uma publicação digital, e que pesquisando sobre, não publicou nenhum mangá famoso. A obra é composta de apenas um volume, sendo uma one-shot, e é dividida em nove capítulos independentes, sendo que um ou outro possuem pequenas ligações entre eles, além de dois capítulos que definitivamente seguem um mesmo enredo. O que une principalmente esse mangá são os pintos decepados que podem muito convenientemente serem cortados com o uso de uma guilhotina específica.
Em um primeiro momento pensei que seria muito difícil analisar um mangá como Sore wa Tada no Senpai no Chinko, já que é difícil colocar no papel qualquer ideia lógica derivada de uma premissa tão absurdamente non-sense. Pensar sore isso me fez refletir sobre obras absurdas no geral, não somente mangás, mas livros, filmes, pinturas, etc., e como elas cumprem um papel de fornecer uma crítica à sociedade. O uso de símbolos absurdos por vezes fornecem uma imagem precisa, embora não tão clara, sobre algum assunto que se visa tratar, estando justamente aí a importância da sátira neste mangá.
Já que a sátira é uma técnica artística que ridiculariza algum tema como forma de conscientização social ou meramente como crítica pura, não dá para negar que Sore wa Tada no Senpai no Chinko se caracteriza como uma obra satírica, mesmo que o autor não tenha a intenção disto, já que aparentemente ele deu a entender que o mangá visa apenas dar vazão à uma temática pouco utilizada nos mangás, além de uma curiosidade e desejo pessoal de abordar o tema.
E ao ler Sore wa Tada no Senpai no Chinko não consegui deixar de relacionar esse mangá com um clássico da literatura satírica russa que utiliza de uma situação simbólica aparentemente sem sentido para exprimir uma ideia, e que inclusive também é sobre uma parte do corpo que se desprende e cria vida própria. O Nariz, conto do escritor russo Gogol, surpreende com sua semelhança à Sore wa Tada no Senpai no Chinko, embora não se possa afirmar que Youichi ABE realmente tenha tido o conto russo como inspiração para o seu trabalho.
O Nariz foi escrito pelo escritor Nicolau Gogol entre 1835 e 1836 e inspirou o compositor Dmitri Shostakovich a compor uma a ópera de mesmo nome. O conto trás a história de um oficial de São Petersburgo cujo nariz abandona o rosto e decide ter vida independente (daí sua semelhança com Sore wa Tada no Senpai no Chinko, onde os pintos possuem vida própria depois de cortados). Embora seja alvo de especulação, o Nariz pode ser considerado uma crítica à degenerescência do indivíduo da sociedade moderna (da época, e a de hoje também), onde as pessoas dão mais importância à aparência e status social do que as relações humanas.
Além da premissa de uma parte do corpo que se desprende do seu dono e possui vida própria, O Nariz e Sore wa Tada no Senpai no Chinko possuem outra semelhança bastante significativa. Tanto um como o outro abordam o absurdo como se fosse a coisa mais trivial do mundo, como perder um nariz ou um pinto e eles saíssem por aí vivos fosse algo normal e corriqueiro. É preciso afirmar que as obras realizaram com maestria a tarefa de tornar uma esquisitice estranhamente verossímil. E para os leitores mais argutos, percebesse que o cerne do significado das obras reside justamente no que não foi mostrado diretamente, mas no significado dos símbolos apresentados.
E o que faz Sore wa Tada no Senpai no Chinko ser ainda mais especial é não considerar o corte dos pintos algo enigmático. Não há perda de tempo para se tentar explicar a causa desse curioso evento, ele acontece e pronto, um dia um pênis acabou sendo cortado e viveu por si mesmo, e é isso. Não há magia nem ficção científica, mas somente uma manipulação estética refinada do autor sobre o acontecimento. A perda dos pintos é portanto um fato consumado, se alguém pesquisou sobre não se tem conhecimento algum e é irrelevante ao mangá. A partir do momento que ele não considera a absurda ausência dos pintos algo sobrenatural ele pode focar no que realmente que passar, que é justamente a relação entre as meninas e os pintos dos seus senpais.
Além disso, o traço do autor não muito realista e até em certo ponto infantilizado, ajuda a criar uma atmosfera propícia a aceitarmos a bizarrice de maneira cordial e não ofensiva, caso fosse um traço hiper-realista as próprias imagens do corte e dos pênis seriam desagradáveis de se ver. Tanto é que nem vejo a necessidade de censurar essa postagem, que passa anos-luz longe de terem uma conotação pornográfica e sensual.
E é sobre essa relação que encontramos algumas pistas sobre os objetivos do autor em Sore wa Tada no Senpai no Chinko. E como o mangá é dividido em várias histórias curtas, há diversas pistas destas. A primeira nos dá uma boa explicação sobre a “mecânica” do mangá, temos um vislumbre de um roubo de um pinto por uma menina apaixonada pelo seu senpai e como ela faz isto, com uma guilhotina especial, que inclusive é vendida em uma loja especializada, loja esta e seu vendedor que são elementos sempre presentes.
A protagonista do primeiro capítulo, Sagashita, é apaixonada pelo seu senpai, Satoshi Toudou, então decepa o seu pinto, por não conseguir se declarar para ele. Ela cuida do dito cujo, mas ele se mostra doente e quer voltar para o seu dono. Sagashita passa por poucas e boas para manter o seu pinto querido, e aprendemos que eles crescem novamente depois de um tempo. Mas essa primeira história ainda não dá nenhum significado claro de alguma interpretação subjetiva do mangá, para isso temos que “penetrar mais fundo” na história.
O segundo conto torna a relação garota/pinto mais profunda, nos dando mais detalhes sobre essa dinâmica. A protagonista deste conto, Sasaki, é uma garota muito objetiva, ela chega no garoto que gosta no banheiro, diz que gosta dele e corta seu pinto fora. A cena corta para um encontro com as amigas em uma lanchonete, onde ela brinca despreocupadamente com o seu pinto, e é justamente essa conversa muito importante, pois descobrimos que ela gosto do senpai mas que não quer sair com ele, só o que ela deseja é o seu pinto.
Sasaki não deixa sem explicação o motivo de apenas querer o pinto do senpai. Ela logo afirma ser um saco toda a relação que envolve um relacionamento amoroso, como conversas, interesses conflitantes, possíveis encontros com familiares e outros deveres sociais oriundos de um namoro. Para ela é mais fácil se desfazer de toda essa “chatice” e ficar com apenas a parte que importa do senpai, o seu pinto, que é capaz de sozinho proporcionar todo o prazer que ela necessita. Além disso, um pinto sozinho não pode trair nem enganar.
Sasaki decidiu aproveitar a parte mais “gostosa” do corpo do homem sem precisar carregar toda a bagagem de problemas de um relacionamento de verdade. Depois ela mostra que coleciona outros pintos, como o do chefe, do ex-namorado, etc. O sonho dela é tomar um banho em uma banheira cheia de pintos e se aquecer com o calor deles! Não é difícil entender a mensagem desta situação, é só pensar que o pênis sozinho significa sexo casual e relacionamentos de momento. Sasaki só quer o prazer e não quer se machucar, por isso ela coleciona pintos, que em um contexto de nosso mundo real é justamente uma pessoa que busca não se apegar.
Outros capítulos também trazem discussões interessantíssimas, como no caso de duas irmãs, uma corta o pênis do namorado por ele a trair sempre, pois o seu pensamento é que se manter essa parte “suja” longe dele ele é incapaz de enganá-la com outras mulheres. já a outra irmã, ela entendeu que o pênis é a parte pura, pois se comete algo errado como uma traição é por intermédio do cérebro e não do pênis, ele é só um instrumento.
Ou quando um vibrador abandonado e jogado no rio por uma menina que conseguiu substituí-lo pelo pênis do Samuel L. Jackson, que em contato com substâncias químicas, cria vida e se transforma em um pênis gigante que se alimenta dos pênis dos homens, no caso policiais e yakusas. Esse conto é pertinaz no sentido de demonstrar o quanto o órgão sexual masculino é importante na afirmação da masculinidade, todos os homens que tiveram seus pintos decepados se tornaram incapazes de fazer qualquer coisa e de enfrentar o monstro, e o caso é mais simbólico por serem justamente oficiais da lei e mafiosos, duas ocupações preponderantemente masculinas.
Há ainda diversas situações que eu poderia descrever, mas não é a minha intenção narrar cada capítulo do mangá. Mas não posso deixar de mencionar dois capítulos que seguem uma mesma história, sobre a menina que se vê com o pênis de um garoto preso em sua vagina, substituindo-a. Essa história é muito divertida, por colocar situações vividas por meninos para uma garota vivenciá-las, como ereções espontâneas de manhã ao acordar e nas horas mais impróprias do dia, bem como uma situação de masturbação, tratando os sentimentos geralmente vivenciados quando os meninos praticam esse ato.
Mas não posso esquecer que Sore wa Tada no Senpai no Chink pode ser apreciado como uma boa história non-sense sem que se pense em temas mais profundos, pois de vez em quando é interessante apenas curtir a loucura, mas se você, caro leitor, é como eu, não consegue deixar de tentar descobrir o que o autor quis passar com todos os símbolos presentes no mangá, essa será uma leitura muito agradável e divertido, que certamente propiciará boas risadas e reflexões interessantes.