El Alamein e Outras Batalhas – A Segunda Guerra Mundial sob outros olhos.

Hoje no Dissidência Pop, vou escrever um pouco sobre um mangá que já foi publicado no Brasil, dando continuidade naquele nosso projeto de abordar mangás já publicados em território nacional mas que por uma série de motivos, passaram um pouco despercebidos. O mangá da vez é El Alamein e Outras batalhas, de autoria de Yukinobu Hoshino, que traz uma série de histórias curtas sobre eventos marcantes da Segunda Guerra Mundial.

Yukinobu Hoshino é um autor de mangás de renome, bastante reconhecido pelo seu estilo realista e pelas profundas pesquisas que faz para criar as suas obras. Ele é mais reconhecido por suas obras de ficção científica hard, que são aquelas que prezam pelo realismo das tecnologias e teorias abordadas. No Dissidência Pop já foram analisadas algumas obras suas deste gênero, como 2001 Nights e 2001 + 5.

Capa da edição nacional.

Mas nem só de ficção científica se resume a obra Yukinobu Hoshino, pois ele também é bastante reconhecido pelos seus trabalhos que envolvem arqueologia e história, como a série de muitos volumes do professor Munakata, que é um professor de antropologia que utiliza seu vasto conhecimento para desvendar os mais variados casos. O Dissidência Pop já escreveu sobre um spin-off desta série, chamado Kumanabi.

El Alamein foi publicado originalmente de 1996 até 1998 na revista Comic Birz, a mesma publicação de mangás como Rozen Maiden e The Music of Marie. A edição nacional saiu pela editora New Pop no ano de 2009. Curiosamente, a editora New Pop foi criada em 2007, dessa forma El Alamein foi um dos primeiros lançamentos da editora. E mesmo sendo um lançamento dos primeiros anos da New Pop, a edição é muito boa, tendo as folhas em papel offset, que sempre foi uma característica da editora. E fica uma dica, El Alamein, mesmo 11 anos depois de seu lançamento, ainda pode ser encontrado a venda no próprio site da editora. Fica a dica, já que muitos mangás mais antigos são difíceis de encontrar, ainda mais novos.

Capa japonesa.

El Alamein segue a “veia” arqueológica de Yukinobu Hoshino, pois desta vez estamos longe das viagens interplanetárias, mais especificamente na época da Segunda Guerra Mundial. Inclusive, El Alamein é uma cidade egípcia que foi palco de duas grandes batalhas de mesmo nome em 1942, que marcaram o principal avanço dos Aliados no norte da África e o fim das ambições do Eixo no continente africano.

Para contextualizar um pouco mais, em 1942 as tropas alemãs invadiram a África após a derrota do exército italiano na batalha de Beda Fomm. A campanha africana já estava durando três anos e era crucial tomar o Canal de Suez e proteger o Egito, até então um protetorado britânico. Como os ingleses estavam isolados em seu próprio país em virtude das constantes ofensivas alemãs, resolveram se engajar contra os alemães no norte da África. Fora reunido um exército sob o comando do general Montgomery formado por ingleses, indianos, australianos, franceses e sul-africanos. Quatro batalhas haviam ocorrido até o momento, restando empatados os dois lados, ainda mais que os alemães estavam sendo comandados pelo brilhante general Erwin Rommel, chamado de “a raposa do deserto”. Esse empasse durou pelo menos até o fatídico momento da Segunda Batalha de El Alamein, em que ocorreu a primeira grande vitória dos aliados na campanha africana.

Desta forma, em El Alamein e Outras Batalhas, o título do mangá é justamente o título de uma das história desta coletânea, mais precisamente o segundo capítulo. Os capítulos são os seguintes e nesta ordem: O Leão Marinho, O Templo de El Alamein, O Falcão em Fúria e a Fortaleza, A Floresta de Ardenas e por último, dividido em duas partes, temos Mangá da Desonra Nacional.

Todas são histórias baseadas em eventos significativos da Segunda Guerra Mundial, algumas recontam e dramatizam eventos marcantes e misteriosos do conflito, como em O Leão Marinho e O Falcão em Fúria e a Fortaleza; outras trazem descobertas arqueológicas que ainda estão no campo da mera especulação, como em O Templo de El Alamein e A Floresta de Ardenas, esta última, inclusive, traz uma aspecto sobrenatural. O mais singular é a história dividida em duas partes, Mangá da Desonra Nacional, uma obra satírica sobre a derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial.

Mesmo que muitas vezes trate de apenas hipóteses de pouca credibilidade, ou somente reconte eventos misteriosos sob uma ótica ficcional, o mangá de Yukinobu Hoshina espanta pela qualidade e verossimilhança na representação do cenário de guerra, o que é ajudado pelo seu traço realista. Todas as cenas de batalha, equipamentos militares como tanques e aviões foram muito bem representados, bem como se percebe uma representação fiel dos tempos de guerra. Tudo isso demonstra que o autor é realmente um artista que presa pelo perfeccionismo de sua obra, mesmo quando lida com possibilidades que parecem absurdas em um primeiro momento, mas que no fundo possuem, mesmo que no campo da pura especulação, pelo menos algum autor que escreveu sobre.

Vou dar uma opinião e contextualizar historicamente cada capítulo presente neste mangá (daqui para frente terá um ou outro spoiler moderado). A primeira história, O Leão Marinho, aborda, como o próprio nome sugere, um acontecimento no conjunto de ações chamadas de Operação Leão Marinho, que era o plano de invasão do Reino Unido pela Alemanha. Neste caso em particular, um submarino americano também chamado Leão Marinho acaba por frustrar em parte o plano de invasão alemão. Obviamente, não se tem conhecimento deste submarino ter participado dessa batalha, já que no momento os EUA ainda não haviam declarado guerra à Alemanha. Seja como for, Yukinobu Hoshino conseguiu construir uma narrativa plausível, embora ficcional, com direito a uma bela batalha nos mares.

El Alamein, que dá título ao mangá, como o nome sugere e já expliquei anteriormente que se trata de duas batalhas ocorridas no Norte da África e que marcou a virada dos aliados no teatro de guerra norte-africano. Mas o que importa na história é que alguns alemães encontraram por acaso algumas ruínas egípcias, repletas de múmias e tesouros de valor histórico inigualável, em especial, múmias de dinossauros! Daqueles pescoçudos. Ou seja, uma prova cabal de que os dinossauros teriam ajudado o povo egípcio a construir as pirâmides, o que solucionaria o mistério de como estas construções magníficas teriam sido construídas sem tecnologia moderna.

Porém, por mais absurdo que essa teoria dos dinossauros possa parecer, como é de costume de Yukinobu Hoshino, ele não tirou isso do nada. Essa teoria é baseada na Paleta de Narmer, que é uma placa cerimonial ou uma base para maquiagem, com inscrições e relevos representando o acontecimento da unificação do Alto e Baixo Egito, que data de, aproximadamente, 3100 a 3200 a.C. Essa placa contém alguns dos mais antigos hieroglifos conhecidos.

O que mais chama a atenção nesse objeto são duas criaturas de quatro patas com pescoços longos, daí a ideia dessa história curta de que teriam sido utilizados uns últimos remanescentes de dinossauros nesta época no Egito. Os especialistas chamam estes animais de serpopardos, uma mistura de leopardo com serpente, tema mitológico que também aparece em antigos achados mesopotâmicos. Há quem diga que represente um ser totalmente mitológico ou que possa ser apenas uma retratação esquisita de uma girafa. Seja o que for, esta história também é interessantíssima, demonstra bem como seria descobrir algo fantástico em meio de uma guerra e não poder aproveitar nem divulgar isto para o mundo, deixando tal descoberta afundar mais uma vez nas areias do tempo.

O Falcão em Fúria e a Fortaleza é a terceira história deste volume. Nela não há nenhuma descoberta arqueológica fascinante, é algo muito mais real e humano. Segue a história de um oficial aviador alemão que vive o drama dos últimos anos da guerra, quando pouco a pouco a superioridade tecnológica da aviação alemã é superada pela superioridade numérica dos aliados. Neste caso, ele tem que proteger dos bombardeios a sua família que vive em um castelo, como toda a Alemanha.

Em certo momento o herói da história ganha um novo avião, um ME262 “Andorinha”, o primeiro caça a jato a entrar em operação, muito à frente de qualquer avião dos aliados, mas chegou muito tarde na guerra para fazer alguma diferença prática. De alguma forma, ele se engaja em combate com um B29 Superfortress, o avião famoso por bombardear pesadamente o Japão, mas que não foi utilizado na guerra da Europa. Dizem que um destes aviões foi utilizado como espião, mas esta informação é incerta, e é justamente com este avião que ocorre o combate. 

A Floresta de Ardenas é um caso mais sobrenatural, mas com uma base arqueológica interessante, pois remete aos antigos enfrentamentos entre celtas e germânicos na região de Ardenas entre a Bélgica e Luxemburgo. Interessante nesta história a abordagem do homem de palha, que seria um sacrifício da religião celta onde várias pessoas seriam sacrificadas queimadas dentro de um homem de palha gigante. Não há comprovação história clara deste tipo de ritual. Mas no caso do mangá é interessante pleo fato de fazer um paralelo entre a luta contra os germânicos na antiguidade e os alemães na Segunda Guerra Mundial.  

Mangá da Desonra Nacional parte 1 e 2. Estes são os capítulos mais diferentes deste volume, pois adotaram um tom satírico que pode ser difícil de nós ocidentais entenderem e apreciarem em sua totalidade. Em suma, reconta os eventos principais da Guerra do Pacífico, fazendo chacota com várias autoridades da época, entre japoneses e americanos, como o caso de Douglas MacArthur, o general responsável pelo exército de ocupação dos EUA no Japão, que no mangá foi substituído pelo Coronel Sanders do KFC. Também há críticas contundentes aos burocratas do Japão que atrapalharam o país antes e depois da guerra.

No final das contas, El Alamein e Outras Batalhas é um mangá fundamental para todos os apreciadores desta arte japonesa. Yukinobu Hoshino é um autor injustificadamente desconhecido em território nacional, sendo que nunca é tarde para reverter esta situação. Embora este seja um mangá interessantíssimo, seria muito bom que alguns de seus mangás mais famosos sobre ficção científica tivessem uma chance. No mais, fica a dica de mais este mangá.

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