Skyhigh – E a severidade da morte.

O que acontece depois da morte é um dos maiores mistérios da humanidade, e estamos longe de resolver esta questão, pois nem as religiões e nem a ciência possuem ainda uma última palavra sobre o assunto.

A vida pós-morte é um tema recorrente na mitologia e folclore mundial, e não podia ser diferente na ficção, dada a fascinação que esse tema exerce nos leitores, tanto pelo seu mistério como por sua proximidade iminente, já que todos estamos fadados a morrer eventualmente. Skyhigh é uma experiência criativa e bem construída do que acontece quando falecemos, especialmente quando somos assassinados ou mortos em acidentes.

Segundo Skyhigh, quando se morre em acidentes ou assassinado você tem três opções, aceitar a morte e ir para o Céu e eventualmente reencarnar, não aceitar a morte e ficar no planeta Terra como um fantasma, ou assombrar e matar uma pessoa, geralmente quem lhe matou ou lhe fez um mal muito grande, o problema desta opção é que te leva direto para o inferno e com direito a sofrimento eterno. Essas instruções são passadas diretamente nos portões do outro mundo e apresentadas pela bela mulher de cabelos negros e longos Izuko, a guardiã do portão dos assassinados. Uma premissa bastante poética não é mesmo?

Mas vamos falar um pouco sobre o autor de Skyhigh, Tsutomo Takahashi. Para quem não conhece esse artista, o que é plenamente possível, já que ele é injustamente pouco conhecido por essas bandas, ele é também conhecido por outros mangás de sucesso, como Jiraishin e Tetsuwan Girl. Inclusive um dos seus mangás já foi publicado no Brasil, o one-shot Alive. Tsutomo Takahashi também é lembrado por ter tido um assistente bastante especial, Tsutomu Nihei, o autor de BLAME! e Kinights of Sidonia, e olhem que curioso, ambos compartilham o mesmo nome Tsutomu.

Falando um pouco de Skyhigh em si, ele foi publicado de 22 de maio de 2001 até 11 de abril de 2002 na revista Young Jump, a mesma de Tokyo Ghoul e Gantz, composto por 10 capítulos e 2 volumes, com estórias episódicas capítulo a capítulo. E devido a crescente popularidade e o sucesso da obra, ela ganhou algumas sequências, Skyhigh: Karma (2003), Skyhigh: Shinshou (2003/2004) e Skyhigh 4 (2010). E só para deixar claro, no presente texto abordarei apenas o Skyhigh “clássico” pelo fato das continuações serem obras distintas, publicadas e consideradas separadamente, sendo que em determinados casos, como Skyhigh: Karma, a narrativa é bem diversa. Em virtude disto, pretendo fazer um texto sobre cada Skyhigh. E só para ratificar o sucesso de Skyhigh, em 2003 a obra ganhou uma adaptação em Live Action.

Cartas do filme Live Action de Skyhigh (2003).

Como eu já deixei claro no começo deste texto, Skyhigh é um mangá sobrenatural, o qual aborda a questão do que nos acontece depois de morrermos assassinados ou acidentados. O mangá pega um pouco de tradições que são bem comuns no Japão, como é o caso da reencarnação oriunda dos ensinamentos do budismo, e mistura com uma interpretação autoral e elementos ficcionais.

Falando francamente, a morte é uma das experiências mais temidas e insuportáveis pelo ser humano, nem sempre pensamos nela, mas muitas vezes a imagem aterradora de cessar nossa existência terrena bate mais forte. O ser humano, desde os primórdios da história buscou meios para entender esse fenômeno, bem como meios para driblar a morte e preservar a vida, como no desenvolvimento de remédios e vacinas, e também na busca da vida eterna, que é outro elemento folclórico fortíssimo na ficção e nas tradições das mais diversas culturas ao redor do mundo.

Se pararem para pensar, tanto a busca da vida eterna como a interpretação da vida pós-morte são muito semelhantes, por girarem sempre em torno do elemento morte. Por isso são temas sempre presentes nas obras ficcionais, dado o fascínio gerado por tal elemento até então não todo compreensível pelo ser humano. E isso não é apenas uma questão cultural, mas psicológica, pois o que afligia o homem das cavernas quanto ao medo do desconhecido é o que nos aflige ainda hoje, todos esses medos e inseguranças de certa forma são transmitidos pelas gerações a fora, o que muda é a forma, mas a essência se mantém a mesma. Quem sabe quando a ciência nos dará respostas definitivas sobre essas questões? E se dará…

E porque afirmo que Skyhigh é tão interessante? Um dos motivos seria por tratar do tema de forma bastante humana e realista. Tirando os elementos sobrenaturais, todas as pessoas que morrem e tem suas histórias contadas no mangá são pessoas reais, como todos nós, com dramas e problemas comuns, e que por algum motivo tiveram suas vidas ceifadas e deixaram pendentes algumas questões. Os personagens de Skyhigh não são super-heróis nem heróis mitológicos que descem ao mundo dos mortos para enfrentá-lo e regressar triunfalmente.

Além disso, quando se falar em Skyhigh, difícil não lembrar de Jigoku Shoujo, que também é uma série de mangás, mas que acabou sendo adaptada em anime, no qual temos também uma garota, no caso Ain Enma, que concede pedidos de vingança de mortos que foram assassinados, traídos ou deixaram alguma pendência. Esse tipo de trama onde há uma pessoa, geralmente uma garota, que guia a alma pelo mundo dos mortos é bastante popular no Japão, como também ocorre no mangá Usemono Yado.

E falando sobre os personagens de Skyhigh, esse é um mangá eminentemente episódico, o que liga cada capítulo é unicamente a presença de Izuko, a guardiã do portão dos assassinados. Ela própria é um mistério que vai sendo desvelado ao longo do mangá. Inicialmente se pensa que ela somente é a responsável por dar as alternativas aos recém mortos e consequentemente situá-los que estão mortos, já que muitos não se dão conta disso, mas ela interfere de forma sutil nas escolhas dos mortos, não digo que ela atrapalhe ou escolha por eles, mas ela aconselha e emite opiniões, que algumas vezes são levadas em consideração e outras não.

Ao longo do mangá, principalmente na reta final, descobrimos mais um pouco da história dessa personagem tão interessante que é a Izuko. Ela, de certa forma, assume o nosso papel como observador, vê como a pessoa falecida morreu e o que a motiva a escolher o seu destino no além. Só que diferentemente de nós, ela possui o poder de opinar, acabando interferindo as vezes nas decisões tomadas. Ela é uma personagem que demonstra uma evolução interessante ao longo dos capítulos, pois podemos perceber a sua busca por entender o ser humano, o que não a difere de todos nós em alguns momentos de nossas vidas. Além disso, quando conhecemos o que é a Izuko e sua história, a vemos de uma maneira totalmente diferente.

De resto, seria massivo e tiraria a graça de se ler Skyhigh se eu passasse a falar de cada capítulo individualmente, mas fazendo um apanhado geral, nenhuma das almas que Izuko teve que recepcionar tiveram mortes banais, o mangá é permeado de assassinatos, estupros, traições, sonhos despedaçados, voyeurismo, bullying, desemprego, abuso infantil, hikikomoris, e outras coisas desse gênero. É isso, apenas a realidade brutal descortinada perante o leitor. Mas nem tudo é sofrimento e dor, sempre há espaço para a redenção, como uma das próprias alternativas dadas pela Izuko sugere.

Voltando ao enredo central de Skyhigh, que consiste que quando se morre em acidentes ou assassinado você tem três opções, aceitar a morte e ir para o Céu e eventualmente reencarnar, não aceitar a morte ficar vagando na Terra, ou assombrar e matar uma pessoa. Eu pelo menos julguei dessa forma, e acho que seja o mais comum levando em conta o fato de estarmos vivos, que a melhor opção é aceitar ir para o céu e eventualmente reencarnar, ou não, pois vai que você já alcance a iluminação né e quebre o ciclo de reencarnações. Mas tem gente que não pensa assim, principalmente os assassinados.

Ao ler Skyhigh você vai acabar se perguntando porque de um morto escolher matar alguém e ir para o inferno ao invés de escolher ir para o céu e esquecer tudo. Pois bem, é fácil afirmar que ninguém escolheria ir para o inferno de livre espontânea vontade, e muito mais fácil afirmar enquanto se está vivo e bem! Mas o desejo de vingança e de se buscar uma reparação pela ofensa sofrida é muito grande e, vários casos, principalmente quando se é traído por alguém próximo de você ou quando se comete realmente algo grave contra a sua pessoa. E nestes casos, não se ouve que é comum buscar uma punição para o ofensor? Logicamente essa é de longe a pior opção, pois sofrer para toda a eternidade é uma punição muito severa.

Skyhigh possui todos esses exemplos, de quem quer se vingar e aceita ir para o inferno calmamente e quem admite que a melhor escolha é ir para o céu mesmo. E claro, há aqueles que preferem assombrar por aí, principalmente quando se veem ligados muito fortemente a alguém ou a algum lugar. Skyhigh nos faz tentar analisar todas essas escolhas e buscar entender o que levou cada morto a escolher o seu destino no pós-morte. Algumas histórias possuem finais tristes, outras finais esperançosos, tudo depende do livre-arbítrio do falecido.

No fim das contas Skyhigh é um mangá que trata muito bem da hipocrisia humana. Para facilitar, ou complicar na maioria dos casos, a alma antes de decidir para onde vai sempre acaba dando uma olhadinha nos vivos que deixou para trás, e quase sempre o que se vê não era o que a pessoa sabia quando viva, pois quase todo mundo veste suas máscaras socialmente e mentem, mentem muito, nem sempre por mal, mas quase ninguém é realmente o que demonstra na sua frente. E tirando o fato de decidir o seu destino, a alma em cada capítulo de Skyhigh está em uma posição parecida com a nossa como espectador.

Toda essa carga emocional do mangá é muito intensificada pela arte de Tsutomo Takahashi, que é muito semelhante com o traço e estilo do seu antigo assistente, Tsutomo Nihei, composta por traços borrados e desfocados, com bastante uso do preto, criando contrastes severos e um ambiente bastante “sujo”, se eu puder chamar desse jeito. O curioso que esse estilo combina perfeitamente com a proposta de um mangá que decidiu trabalhar com a temático da morte e dos mais vis sentimentos humanos. Assim sendo, o traço carregado não deixa de ser uma metáfora para o medo e desespero humano. Nota-se também que em Skyhigh o autor ainda não havia chegado em seu potencial artístico que é visto em suas obras mais recentes, mesmo assim a arte de Skyhigh continua sendo consideradamuito boa.

Então é isso meu caro leitor, agora você possui três opções, ter gostado do meu texto e procurar Skyhigh para ler, ignorar a minha recomendação, ou ainda me assombrar e me matar por ter escrito esse texto, mas lembre-se que se você fizer isso, irá diretamente ao inferno. Brincadeiras a parte, Skyhigh é um bom mangá sobre uma temática que nunca sai de moda, e ainda por cima, executado de maneira primorosa pela caneta Tsutomo Takahashi. Esperam que tenham curtido meu texto e até a próxima.

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