One-shots: Comentários e indicações.


Todo mundo sabe o que é uma one-shot, sim, aqueles mangás que se resumem a um único volume, ou ainda a um único capítulo, e este único capítulo pode ter ainda poucas ou muitas páginas.

Bem, neste sentido a leitura de uma one-shot pode levar alguns instantes, e quanto dura alguns instantes? Alguns poucos minutos talvez, ou ainda pouco mais de tempo caso seja um volume completo com uma quantidade razoável de capítulos. Os one-shots podem servir como tentativa de um autor deslanchar sua obra em alguma revista ou algo autoral mesmo, e nesta última categoria encontra-se o assunto que este post quer chegar.

Vejamos, essas pequenas estórias possuem pouco espaço para se desenvolverem, são como pequenos contos ou crônicas se comparados a livros tradicionais, então sempre chegam direto ao ponto, e não raras vezes, é a melhor forma de um autor compartilhar sua criatividade com o público. Nesta criatividade está incluída suas ideias mais ousadas onde não seriam bem aceitas ou talvez não dessem certo numa tentativa de serialização. Quanto ao tema, claro, sofre a influência da revista onde é publicada. Ou ainda servem apenas para o autor passar ao possível leitor algo despretensioso, sem muito compromisso.

No entanto, algumas one-shots de poucas páginas são tão autorais, ou seja, não buscam agradar algum determinado nicho nem sofrem pressão dos grupos econômicos a fim de satisfazerem suas necessidades capitalistas, que acabam por se tornarem de difícil ou livre interpretação. Embora não seja algo ruim, as vezes não se encontra precisamente qual a intenção do autor ao escrever a obra. No entanto, é possível se deparar com as coisas mais bizarras possíveis, embora exista mangás maiores bizarros, e se for algo ruim, a frustração certamente será menor, diante do curto tempo dispensado na leitura.

Chegando ao ponto que interessa, depois desta longa introdução, é que pretendo falar sobre algumas one-shots que acabei lendo recentemente e gostaria de escrever algo, no entanto é inviável uma postagem inteira sobre um mangá de oito páginas, por exemplo, embora seja possível escrever exaustivamente sobre as mais diversas teorias, filosofias, etc., acerca de uma obra, mesmo sendo curta. Contudo não estou aqui para escrever nenhum tratado sobre nada, então resolvi tratar na mesma postagem sobre algumas one-shots, o que evitará um artigo demasiadamente diminuto. Afinal, mesmo se eu descrever um poucos estas estórias, praticamente as contaria por completo dada a natureza curta das mesmas. Então, que iniciem os trabalhos.

SHOUJO MANGA

De longe o que eu mais gostei de ler, fora evidentemente tocante à minha pessoa, embora tratar-se de um prazer efêmero o qual valeu os poucos instantes gastos em sua leitura. Bem, fazendo breves considerações técnicasShoujo Manga é uma estória de 25 páginas publicada na revista Ikki, publicação voltada ao nicho demográfico seinen, tendo como mangás a servirem como exemplo, Dorohedoro, Bokurano, Witches (que já falei sobre). Shoujo Manga é de autoria de Reiichi Sugimoto. Aparentemente não é um autor de destaque, contudo li uma obra em que ele atuou com a estória apenas, National Quiz, que é algo muito peculiar e que merece uma conferida e talvez um artigo futuramente.

Bem, na internet as próprias sinopses contam a estória do mangá, praticamente toda, este é o preço a se pagar por algo curto, embora que nestes casos não faça grande diferença, já que a vontade de ler não é seriamente abalada. Enfim, Shoujo Mangá se passa em um futuro distópico, aparentemente em um Japão após algum evento pós-apocalíptico, sendo uma cidade entregue à destruição e ao lixo, onde os habitantes fazem qualquer coisa para sobreviver e sem nenhuma presença de um poder estabilizado ou leis. Neste contexto somos apresentados à protagonista, uma garota que vive sozinha e que está totalmente adaptada ao meio, mora em uma espécie de favela, come o que encontrar, inclusive ratos, rouba para sobreviver, sabe lutar, etc, etc…


Certa vez ela rouba uma bolsa de uma idosa e dentro dela encontra alguns mangás, não possuindo valor de venda, acaba por lê-los e se interessando pela estória, nota-se que é um mangá shoujo, e pelo que parece repleto de todos os clichês possíveis, no entanto o mangá é incompleto, faltando um volume que nunca foi escrito.

O que torna Shoujo Manga especial? Vejo que garotas são garotas afinal, um pouco de açúcar nunca faz mal para elas, é até salutar, e o que mais açucarado que um mangá shoujo clássico? A garota da estória leva uma vida nada agradável, provavelmente nunca teve a oportunidade de ler um mangá na vida, ou talvez já tenha achado algum antes quem sabe. No entanto ao mergulhar na estoria ela pode ao menos durante um curto período de tempo fugir um pouco de sua realidade, experimentando sensações e sentimentos que ela possa nunca ter sentido, talvez nunca tivesse amado alguém, sentido ciúmes, aproveitado uma amizade. Aposto que qualquer outro gênero de mangá não teria exercido tanto fascínio na protagonista, até mesmo na primeira página o leitor já há esta informação: “Um mangá e uma garota. Um mangá para uma garota”. Também é importante ressaltar o poder da imaginação que pontua o final desta curta obra, servindo como solução para a decepção causada pela ausência de um término em seu precioso mangá.

No que toca a arte, ela é bem peculiar, o autor confere um ar cartunesco à mesma, mas sem exageros, seus traços são fortes e expressivos, e seus contornos grossos caem como uma luva na retratação do ambiente desolado da estória. Termino aqui esta singela recomendação.

A SEROW’S DEADLY FALL

A Serow’s Deadly Fall, traduzido como Queda Mortal de um Serow, serow para quem não sabe, nem eu sabia antes de pesquisar, é uma espécie de bode-antílope de porte médio, comum do leste asiático que vive nas florestas, é um dos animais símbolos do Japão, no caso a subespécie “serow japonês”. Eu já havia visto esse animal antes, em alguns animes e filmes, no entanto para mim era apenas um bode, nada mais que um tipo de bode.


Um serow, até que é bonitinho

Deixando de lado a discussão acerca da zoologia, “A Serow Deadly Fall” é uma estória de apenas 16 páginas, também publicada na revista Ikki, no ano de 2005 de autoria de Kamoshika Tenrakushii, não encontrei nenhuma outra obra de destaque deste autor e nenhuma outra informação, só essa foto de um cara com cabeça de cachorro:



Quanto a obra, ela possui uma premissa curiosa, a estória de dois estudantes, até no início o autor faz uma advertência, que se trata de apenas mais uma estória em uma escola elementar. Neste contexto básico um garoto chamado Makoto e uma garota chamada Yuko e um pequeno serow, que após ter sua atenção chamada por Makoto que estava aos berros gritando olá, acabou por se desequilibrar e aparentemente morrer. Makoto de desespera com a reação dos outros e pede para Yuko não contar para ninguém, no entanto a garota mostra um aspecto assustador e preocupante de sua personalidade, ela chantageia Makoto obrigando-o a ser seu escravo! Bem, é uma premissa bem clichê, mas não deixa de ter sua graça, várias obras famosas utilizam-se deste argumento, como Aku no Hana.

O que pensar disto, é um humor rápido e eficiente e mesmo que você não goste, como eu já havia dito antes, vai perder pouco tempo, então não há com o que se preocupar, é divertido, pelo menos um sorriso no canto do rosto irá gerar. E o que torna essa obra divertida? A premissa em si é divertida, a relação entre os dois amigos, ou nem tão amigos assim é o centro da pequena estória, a relação de mestra-escravo é cômica, no pequeno decurso é possível divertir-se com o sadismo da menina em relação ao garoto fragilizado pela tragédia, principalmente ao relacionar com obras semelhantes do gênero que quase sempre tomam proporções mais sérias e dramáticas na relação protagonista feminina forte e sádica em relação ao protagonista masculino fraco. A arte é bem simplista, mas nem me preocupo com isso pois confere uma atmosfera cômica e o fim ainda aguarda surpresas o que torna ainda mais interessante, vale uma conferida despretensiosa, além do que Yuko pode se mostrar uma criança boa de certa forma, tirando seu sadismo.

KAERIMICHI

A dose de terror desta postagem. Kaerimichi é uma pequena estória de meras 6 páginas de um bom terror psicológico, parece que foi publicada em 2008 mas não possuo detalhes de sua publicação, é de autoria de  Morohoshi Daijirou, que eu não conhecia nada sobre, mas segundo minhas pesquisas é um relevante autor de terror, iniciando seus trabalhos na década de 70, inclusive ganhou alguns prêmios. No entanto é muito obscuro no ocidente, o que é uma pena, pois andei olhando seus trabalhos e ele assim como Junji Ito possui influência lovecraftiana e algumas imagens aguçaram minha curiosidade, o que já conta muito para mim, pena que devido esse inexplicável desconhecimento quase nada seu foi traduzido pra qualquer língua, apenas este conto e uma pequena séria de adaptações de contos dos irmãos Grimm. A sua arte se forem levados em conta os aspectos atuais pode ser chamada de feia, no entanto devido a ser um artista de longa data explica isto, ainda mais por cair perfeitamente essa espécie de traço em obras de horror o que torna seus traços aceitáveis.

Gostei do trabalho deste cara, fiquei curioso em ler o mangá da onde esta imagem foi tirada.


Voltando ao assunto principal, kaerimichi é bastante interessante, nesta pequena estória somos apresentados a dois irmãos, uma criança e um rapaz adulto que ao chegar do trabalho se queixa ao irmão que ao passar por uma rua escura e abandonada um vulto o segue e o irmão mais novo diz que ao passar nesta mesma rua acontece o mesmo com ele e que ele realiza alguns procedimentos para que a coisa não o siga até em casa. Neste conto temos dois pontos de vista, o do adulto exemplificado pela postura do irmão mais velho que encara o vulto desconhecido como fruto de sua imaginação, já que obviamente sua mente associou sombras e objetos escuros na rua como sendo uma espécie de vulto de uma figura humanoide, culpando a falta de iluminação pública pelo ocorrido. Já o irmão, uma criança, leva o evento a sério, como sendo algo existente, mantendo o vulto como um espírito, talvez, ou qualquer outra criatura das trevas.

O pequeno conto consegue eficientemente prender sua atenção, acarretando a típica curiosidade que obras de terror causam, quando não se baseiam nos simples terror sanguinário pastelão, mas sim em algo deliberadamente psicológico. O final é típico de contos de horror e nada inovador, mas chega a dar certo frio na espinha com a resolução da estória, recomendo que leiam, e um conselho de amigo, escutem os conselhos de seus irmãos mais novos caso tiverem! Podem livrá-los de eventos sobrenaturais.




CHILDREN CAN’T CHOOSE THEIR PARENTS

E para finalizar a dose de bizarrice extrema desta postagem! O que não podia faltar em One-shots, sem sombra de dúvidas no final da leitura disto aqui você irá perguntar a si mesmo se utilizando de palavras de baixo calão como, por exemplo, “Mas que Me*** é essa!” A estória de amor e tragédia entre um homem e bem, uma galinha, a sinopse já alerta, você nunca verá um ovo da mesma forma depois de ler isso, confesso que ainda os vejo da mesma forma, e os como da mesma forma, fritos, cozidos, omeletes…

Essa estória incomum envolvendo zoofilia, nada explícito ok? É mais a perspectiva arquétipa do que qualquer outra coisa, e acho que não suportaria ver algo mais “explícito”. Bem, essa estória de 9 páginas publicada em 2000 na revista Comic Cue é obra de Mitsukasu Mihara, uma autora bem curiosa, dando uma olhada em suas obras eu só conhecia mesmo DOLL: IC in a Doll, que é um mangá bom, o resto pelo que andei olhando segue a mesma linha, com sua ambientação e personagens góticos, com temas quase sempre controversos e sem medo de ousar, tanto é que foi capaz de dar a luz a uma estória de amor entre um cara e uma galinha.

A estória em si é bem simples, o protagonista se apaixona por uma galinha chamada Fabien, mantém um relacionamento sério com ela, moram na mesma cada, enfim, uma vida marital completa, só que ao contar a seu amigo ele sofre resistência e pressão para acabar com essa anormalidade, e aparentemente ele não esperava por isso, como fosse a coisa mais normal do mundo, até ai tudo bem. No entanto começa a parte mórbida (mais que o habitual) da estória, a galinha põe ovos! Não vou contar o final, mas pense na coisa mais bizarra possível, e olhe o título da estória, é isso que acontece, e o melhor é a reação do protagonista e o desfecho bizarro! Uma estória de 9 páginas consegue inovar e surpreender no seu desfecho, ponto pra ela. E ainda quanto ao título, este remete ao final, mas no entanto não é a primeira coisa que lhe vem em mente ao pensar no título, seu raciocínio terá de ser notadamente mais mórbido. 



A arte não é aquilo tudo, mas trata-se de um traço típico de shoujo, o que torna hilário, por ser uma estória de amor uma galinha! Essa pequena estória também pode ser levada como uma paródia dos Shoujos em geral, e se você possuir um fetiche com galinhas ou animais em geral, é uma boa pedida, ou ainda para aqueles que se interessam em ler algo curioso e bizarro que não demanda muito tempo. Não há muito mais o que se falar, caso fosse mais longo os conflitos seriam mais bem trabalhados, no entanto não acho que algo tão bizarro manteria uma publicação longa. Afinal, trata-se de algo despretensioso e autoral desta autora maluca, que impôs certo humor negro nesta obra, pois é impossível não achar hilário o enredo em si, no entanto fica ainda mais divertido se levar em conta a execução séria que autora propõe.



Encerro por aqui essa postagem dedicada às one-shots, quem sabe faço outra em um futuro incerto, então até mais.

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