O que seria mais anos 90 do que uma séria e OVAs de ficção científica com uma caçadora de recompensas como protagonista, forte e determinada buscando vingança e lutando com um alienígena superpoderoso e virtualmente imortal? Mesmo com tantas outras obras nesse estilo, Iria: Zeiram The Animation, de 1994, consegue se destacar positivamente e merece ser lembrada.
Iria: Zeiram The Animation é um caso bem peculiar. Geralmente vemos animes e OVAs inspirando filmes live action, mas nesse caso, Iria, é uma adaptação de um filme com atores reais, ou melhor dizendo, é um prelúdio de um filme de 1991 chamado Zeiram, dirigido por Keita Amemiya. No filme, acompanhamos Iria, que vem até a Terra para capturar Zeiram, uma entidade alienígena imortal. Ela recebe ajuda da inteligência artificial chamada Bob e de dois eletricistas japoneses. Zeiram, além da séria de OVAs, ganhou uma sequência em 1994, Zeiram 2.
Iria, protagonista dos OVAs.
Zeiram é um daqueles tokusatsus clássicos de ficção científica, só que um pouco mais obscuro. Eu geralmente não assisto esse tipo de filme, mas Zeiram me pareceu bastante interessante, mesmo com todas as “cafonices” do gênero, como poses, faíscas para todo lado e pequenas explosões ao fundo. Deixo claro que apenas assisti a animação, Iria: Zeiram The Animation, para escrever esse texto. Como essa série de OVAs serve como um prelúdio, não há obrigação de ter assistido o filme, os seis OVAs de 27 minutos fecham um enredo bastante redondo, funcionando bem como uma história fechada.
Iria: Zeiram The Animation foi produzido pelo estúdio Ashi Production, pouco conhecido, mas de grande importância para a indústria dos animes. Talvez conheçam o estúdio por seu outro nome, pois em 1975 o estúdio mudou o nome para Production Reed, mas acabou retomando o nome Ashi Production em 2019. O estúdio é mais conhecido por animes mahou shoujo (garotas mágicas) clássicos, como Magical Princess Minky Momo. Além disso, como é um estúdio antigo, tem vários animes inspirados em tokusatsus e obras de ficção científica, como no caso de iria: Zeiram The Animation.
Zeiram, a criatura imortal, também conta com diversas armas escondidas.
O diretor dos OVAs é Tetsuro Amiino, tendo no seu currículo obras como Macross 7 e Shiki. Outra curiosidade interessante da produção de Iria diz respeito ao design dos personagens. Talvez alguém mais atento possa ter captado a referência, mas para os que não pegaram logo de cara, o design dos personagens foi feito pelo Masakazu Katsura, famoso mangaká, sendo autor de obras famosas como Zetman, Video Girl Ai e DNA².
Como já citado acima, Iria: Zeiram The Animation é um prólogo de Zeiram, ou seja narra eventos anteriores ao filme. Dessa forma, do que se trataria efetivamente esta série de 6 OVAs? A obra segue a história de uma garota chama Iria e começa com o seu irmão, Glenn (ou Gren), um famoso caçador de recompensas, recebendo uma importante missão, descobrir o que aconteceu com a tripulação e carga de uma estação espacial. Contudo, nada sai como esperado, a carga da estação espacial era uma entidade alienígena praticamente imortal criada como arma biológica que foge do controle e começa a chacinar todos os tripulantes.
Myce, o planeta principal da obra. Como o nome sugere, faz referência a fungos, como também se nota na arquitetura dos prédios, que parecem cogumelos.
Iria, mesmo a contragosto do irmão, embarca na missão junto com ele e outro companheiro, Bob. Destaca-se que Iria no começo da obra ainda é uma caçadora de recompensas aprendiz, mas que demonstra uma habilidade grande em combate. Além disso, aparentemente Glenn é a sua única família e a menina o adora mais que tudo, querendo seguir o seu exemplo. Acontece que durante esta missão na estação espacial, tudo dá errado e Glenn é aparentemente morto por Zeiram, Bob, ferido, foge com alguns sobreviventes e Iria, depois de uma luta difícil, consegue escapar também.
Obviamente o gênio de Iria não permitira aceitar isso pacificamente. A moça logo percebe que tudo se tratava de uma conspiração política, pois quem controlasse Zeiram, conseguiria controlaria Myce, que é o planeta que serve como capital da federação galáctica que aparece nos OVAs. Digamos que o trabalho de Iria é facilitado pelo fato de Zeiram, mesmo que indiretamente, estar perseguindo-a, o que também complica a sua vida de uma maneira gigante. Nesse contexto Iria acaba visitando diversos lugares, conhecendo várias pessoas, como Kei, uma criança de rua do planeta resort de Taowajan e permitindo que conhecêssemos importantes personagens como o caçador de recompensas Fujikuro e o Dr. Touka.
Glenn, irmão de Iria e caçador de recompensas talentoso.
Iria: Zeiram The Animation apresenta alguns elementos bem legais. Vou começar escrevendo sobre a ambientação da obra. Geralmente percebe-se que as ambientações na ficção científica, principalmente nos diversos OVAs e animes dos anos 80 ou 90 começaram a padronizar um visual que seria semelhante a todos, tanto nas armas, nas naves e no visual dos personagens. Se percebe duas correntes distintas, uma da ficção científica espacial, que é mais limpa por assim dizer, e outra numa pegada cyberpunk que é visualmente mais carregada por um caos social que se reflete no visual das construções e pessoas.
Claro que tem e teve muita coisa criativa saindo do lugar comum, e Iria: Zeiram The Animation é um destes bons exemplos. Vou tentar explicar o visual dos OVAs. As próprias imagens que juntei no texto já dão uma boa ideia, há na obra uma mescla entre elementos tradicionais com outros elementos futuristas. Há naves, teletransportes, todo tipo de arma, mas vemos, por exemplo, lançadores de foguete feitos de madeira. Além disso, as bombas e outras armas possuem sempre um design anguloso e com diversas cores, parecendo mais peças de artesanato de algum grupo folclórico.
As crianças de rua do planeta Taowajan, destaque para Kay, que passa a ser uma aquisição importante ao grupo de Iria.
Há canhões que funcionam como aqueles foles antigos que serviam para atiçar o fogo. Uma bola de tecido na arma se enchia de ar e ao esvaziar lançava um poderoso projétil, e só quando estivesse cheio que atiraria novamente. Nas construções e vestimentas vemos bastante referências orientais, não somente japoneses. A maioria das pessoas utilizam enfeites de cabelo feitos de miçangas. Além disso, as grandes construções e naves lembram cogumelos gigantes. O próprio Zeiram é uma criatura fúngica além de ser praticamente um cogumelo ambulante! Essa temática de cogumelo se observa no próprio nome do planeta principal da história, Myce, que claramente faz referência à palavra grega myké, que literalmente significa fungo ou cogumelo.
O design de Zeiram também é digno de nota. Seguindo a temática fúngica que permeia a obra, Zeiram é um alienígena humanoide que possui uma cabeça claramente inspirada no chapéu de um cogumelo, e nessa espécie de “cabeça” tem um outro rosto, um pequeno rosto branco com uma expressão até mesmo zombeteira. Essa “cabecinha” tem a capacidade de mover-se através de uma espécie de tentáculo que a sustenta, e tem a habilidade de pregar uns bons sustos nos mais desavisados! Esse elemento me parece que faz referência ao filme Alien, o oitavo passageiro, onde o alienígena do filme tem uma característica parecida na qual de dentro da boca sai uma pequena boca.
Exemplo do design da tecnologia em Iria. Percebe-se que a arma é uma mescla e madeira, metal e tecido.
Zeiram também podia ser capaz de liberar diversos tentáculos e criar clones malformados dele mesmo que não compartilhassem de sua pretensa imortalidade. A criatura também possuía uma peculiaridade interessantíssima. Para sobreviver necessita absorver seres vivos, o que consequentemente o faz absorver a memória e conhecimentos das vítimas, sendo esse um dos motivos de seu interesse por Aria. Zeiram se mostra uma ameaça hedionda e super perigosa e mesmo nos momentos que não aparece diretamente, somente a perspectiva de sua chegada e sua possível ameaça é suficiente para criar um clima tenebroso.
E somente uma ameaça nesse nível seria capaz de ser uma ameaça à Iria, nossa protagonista. A garota lembra muito outras heroínas de personalidade forte dos animes de ficção científica dos anos 80 e 90, como Alita da obra de Yukito Kishiro. Eu também poderia citar outras obras com heroínas boas de briga e corajosas, como Armitage III e Ghost in the Shell. Ou seja, no quesito diversão Iria: Zeiram The Animation é uma obra que está muito bem servida, com seus personagens interessantes e trama emocionante.
A animação possui bastante qualidade, se vê logo que foi uma produção que conseguiu dispor de bons recursos suficientes para proporcionar uma animação bastante fluída. As cenas de perseguição de de lutas foram um espetáculo à parte. O nível de violência não é baixo, mas também não é um espetáculo de tripas e sangues, fica bem no patamar do aceitável para a maioria das pessoas.
O rol de personagens também não deixa a desejar, tirando Iria temos figuras bem interessantes, como caso do caçador de recompensas “tsundere” Fujikuro, um bom alívio cômico para esta série de OVAs. Kay também se torna uma “sidekick” eficiente para Iria, ou seja, uma jovem ajudante que acaba se metendo nas confusões de Iria. A menina, que inicialmente se pensava ser menino, possui uma personalidade semelhante a de Iria, mas a personagem não se resume a ser uma versão reduzida da protagonista, pois possui carisma próprio.
Iria: Zeiram The Animation até tenta forçar um drama, mas penso que este não foi o forte dos OVAs. Há o sacrifício de um personagem secundário, vemos ele morrendo. A animação até tentou intensificar o drama, mas foi de forma tão rápida que acabou passando quase que batido. Até a questão do irmão da Iria ter sido absorvido logo no começo da sério não proporcionou momentos melancólicos por parte de Iria. Não que essa seja uma situação ruim, pelo contrário, serviu para reforçar a personalidade combativa de Iria, de agir em detrimento de pensar em muitos casos. Entretanto, vemos que Iria titubeia ao descobrir que talvez Glenn estivesse dentro de Zeiram.
Mas o forte mesmo destes seis OVAs de 27 minutos é a ação, que é desenfreada. Temos vários interlúdios entre um combate e outro, entre uma fuga e mais outra, mas sem sombra de dúvidas é uma obra agitada do começo ao fim. Mesmo nas partes onde não há combate direto com Zeiram, como no caso de sequestros e outras missões, há interessantes embates onde podemos ver toda a maestria de luta de Iria, lembrando que sua infinidade de equipamentos é de fazer inveja ao Batman e seu cinto de utilidades.
Outro ponto a se destacar é a trilha sonora. Mais anos 90 impossível. A abertura em especial, At the End of the Melting Dream, de Yayoi Goto é extremamente brega! Mas mesmo assim é boa, fui me acostumando à ela ao longo dos episódios e acabei ficando com saudade ao fim dos episódios.
Iria: Zeiram The Animation é um prato cheio para os fãs de ficção científica neste estilo repleto de aventuras espaciais e boas lutas. Se você é um destes fãs, esta série de OVAs é um prato cheio para você, diversão na certa. Além disso, temos uma heroína forte e carismática, isso sem deixar de lado um enredo convincente como uma dose interessante de tramas políticas e conspirações. E não posso esquecer de mencionar um vilão no mínimo interessante, Zeiram, o “quase” imortal. Diante disto tudo, impossível deixar de recomendar essa obra.
