Mezzo Forte – Violência extrema e descontração.

Dando sequência com a série de textos sobre a franquia de Kite, desta vez teremos uma análise de Mezzo Forte, o spin-off da série, que fazendo jus ao seu predecessor, nos brinda com uma boa dose de ação e cenas de sexo explícito. Mas não se enganem, não é apenas um outro “Kite”, é algo totalmente diferente em essência, com uma proposta que diverge de Kite em pontos fundamentais. Para esmiuçar essas diferenças e adentrar nas características que fazem de Mezzo Forte original, apresento este texto.

Não vou adentrar da história de Kite e sua franquia, pois já fiz isso no texto anterior, que pode ser acessado por aqui. Neste texto que indiquei vocês encontraram todas as informações principais sobre os spin-offs, continuações da série, algumas curiosidade sobre licenciamento e exibição ao redor do mundo, se a obra é ou não um hentai e etc., e claro, poderão conhecer um pouco mais sobre Kite, então eu diria que é fundamental ler ambos os textos para entender a diferença entre Kite e Mezzo Forte.

Mikura, a protagonista de Mezzo Forte.

Pois bem, Os dois OVAs de 30 minutos de Mezzo Forte foram produzidos basicamente dois anos depois de Kite, seguindo o sucesso de seu predecessor. O estúdio responsável foi mesmo, Arms, e a equipe de produção foi basicamente a mesma. Mezzo Forte também é uma criação original de Yasuomi Umetsu, que foi a mente criativa tanto de Kite como Mezzo Forte. Resolvi pesquisar o que significava o nome do anime, e descobri que Mezzo Forte significa “meio forte” em italiano, mas isso não explica muita coisa.

Pesquisando mais a fundo, descobri que é uma expressão da dinâmica musical, que é a indicação que um compositor faz na partitura sobre a intensidade que ele quer que uma nota ou um trecho musical sejam tocados. Ou seja, “mezzo forte” seria algo como “moderadamente alto”. E isso significa algo para no anime? Não sei ao certo, talvez seja só um nome legal que o diretor encontrou para a obra, ou pode representar uma característica da protagonista, que é extrovertida e impetuosa.

Momomi, a sádica vilã dos OVAs.

Mezzo Forte também sofreu uma “picotagem” assim como Kite, recebendo diversas versões diferentes e com diversos níveis de censura, geralmente umas com cenas de sexo removidas e outras com todo o conteúdo intacto. Além da censura sobre o conteúdo sexual, parte da violência foi removida. Uma das versões lançadas tinha praticamente 20 minutos de conteúdo a menos! Em uma obra de duração total de 60 minutos, 20 minutos é muita coisa, 1/3 da obra removida. Obviamente para escrever este texto, me baseei na versão completa e sem censura, para poder ter uma visão completa da obra.

No início do texto eu digo que Mezzo Forte é algo completamente diferente de Kite e essa diferença está localizada na essência de ambas as obras. Superficialmente elas são muito parecidas, ambas com muita violência, sexo e cenas do submundo do crime e da corrupção policial, mas a medida que a obra avança vemos que se trata de algo totalmente distinto. Kite é uma história de ação com uma heroína trágica que busca vingança, e é a melancolia que dita o tom da obra, enquanto Mezzo Forte é algo muito mais colorido e dinâmico, com pitadas de descontração, lembrando e muito os filmes de ação dos anos 80 e 90, como Bad Boys (1995) e Um Tira da Pesada (1984).

O fusca amarelo da equipe do DSA.

Para verificar o fundamento do meu argumento, basta analisar a própria ambientação da série. Em Kite temos algo sempre escuro e tomado por sombras, indiscutivelmente noir, com uma paleta de corres bastante colorida mas ao mesmo tempo sombria, com o seu contraste com cores extremamente frias. Mezzo Forte apresenta cores vivas mas sem a sensação de dualidade com a paleta de cores cinzentas.

As protagonistas também não poderiam ser mais diferentes. Como dito acima, Sawa, a protagonista de Kite é uma heroína trágica em busca de vingança pelo morte dos pais. Uma assassina profissional que sem sombra de dúvidas não tem nada de feliz, embora sonhasse com um futuro melhor. Por outro lado, Mikura Suzuki, protagonista de Mezzo Forte, não tem nada de trágica, e parece gostar de sua profissão de “risco”, não possuindo muitas limitações morais quanto matar a sangue frio. Além disso, a garota é muito competitiva e esquentada, estourando por pouca coisa, embora tenha bom coração. Não podia ser mais diferente de Sawa.

Referências a clássicas séries de filmes de ação, no caso, Dirty Harry e Duro de Matar.

E uma curiosidade, Sawa faz uma rápida aparição em Mezzo Forte, que pode muito bem passar despercebida aos menos atentos. Ela aparece andando na calçada enquanto um dos personagens principais está dentro de um carro. Ela rapidamente vira a cabeça e segue em frente. Isso deixa subentendido que Mezzo Forte se passa na mesma época que os eventos de Kite, ou um pouco antes ou pouco depois. De todo modo, Mezzo Forte também apresenta um Japão cyberpunk, com uma tecnologia evoluída em determinados aspectos, como a criação de androides e armas modernas. Outra referência à Kite se dá quando Mikura pega sua pistola da parte de trás do banco do fusca, outra pistola que se encontra lá é justamente do modelo da arma com balas explosivas que Sawa utilizava em seus assassinatos.

Para finalizar as comparações entre Mezzo Forte e Kite há a questão dos objetivos, que de certa forma ditam o tom da série. Em Kite temos a saga de uma menina abusada e manipulada psicologicamente para se tornar um brinquedo sexual e assassina profissional de um policial corrupto. Já em Mezzo forte, temos um enredo que envolve um trio, contando com a protagonista, que realizam serviços ilegais em troca de dinheiro, não necessariamente envolvendo assassinatos, mas todo tipo de atividade ilícita. Eles acabam entrando em um conflito por estarem em busca de dinheiro. Ou seja, não é uma questão de vingança e ninguém está manipulando Mikura, o que torna tudo mais leve pelo menos nesta questão de enredo.

A rápida e única aparição de Sawa em Mezzo Forte.

Já vou adiantar desde já, colocando Mezzo Forte na balança com Kite, eu, sem sombra de dúvidas, gostei mais de Kite, por uma série de motivos, tanto pela ambientação como pelos aspectos psicológicos, além de outras situações que vou aprofundar mais à frente. Contudo, não acho Mezzo Forte uma obra ruim, só digo que fica atrás de Kite, embora possua suas muitas qualidades. A partir de agora, deixemos de lado as comparações entre as obras e vamos nos ater exclusivamente à Mezzo Forte.

A sinopse de Mezzo Forte é basicamente a seguinte: Momokichi Momoi é um gangster e dono de um time de baseball, o velho é simplesmente brutal, com práticas como matar o próprio arremessador por não ter ganho o jogo, eliminar adversários, etc. Ele tem uma filha ainda mais sanguinária, Momomi Momoi, que possui a reputação de ser uma psicopata que mata a sangue frio. A DSA (Danger Service Agency), agência que Mikura faz parte, recebe uma missão de um estranho velho para sequestrar o mafioso em troca de uma boa quantia em dinheiro. O que parecia um trabalho corriqueiro e limpo, se mostrou muito mais perigoso que o esperado, sendo que a DSA além de cumprir a missão teve que descobrir um meio de não serem brutalmente massacrados no processo pela ira da perigosa Momomi Momoi.

Momokichi Momoi, o gangster da história.

A equipe da DSA é formada por Mikura, a nossa heroína; Kenichi Kurokawa, um ex-policial com ótimas conexões dentro de departamento de polícia e um vasto conhecimento do submundo do crime, o que ajuda o trio em suas missões, e possui um fusca amarelo capaz de coisas incríveis. Aparentemente ele gosta muito de Mikura e ela dele; e por último e não menos importante, temos Tomohisa Harada, um especialista em cibernética, principalmente na criação de androides que se passam por humanos, habilidade esta que é fundamental para a realização das missões, o rapaz nega, mas é apaixonado por Mikura.

Basicamente nisso se resume Mezzo Forte, um thriller de ação frenético em um Japão cyberpunk. Em questões de violência não deixa a desejar, tem sangue para dar e vender, embora o impacto seja um pouco menor do que em Kite, onde a protagonista tinha aquela pistola que as balas explodiam os alvos de dentro pra fora. As cenas de ação seguem a qualidade de seu predecessor, muito bem executadas e animadas, tem até algumas coisas bem-humoradas, como o uso do fusquinha amarelo nas cenas fuga, o danado sobe até uma escadaria.

Mezzo Forte tem até espaço para uma partida de boliche.

Falando da vilã principal, Momomi, é uma personagem bastante interessante por seus exageros cruéis e pela sua habilidade em matar. Ainda mais, vi uma química interessante entre ela e Mikura. O embate de duas jovens garotas peritas em armas e em luta corporal. Isso não foi difícil de perceber, já que essa é a intenção do OVA, criar essa dicotomia entre ambas. Agora vou mencionar um pequeno spoiler em seguida. No OVA fica subentendido, embora não comprovado, que Mikura e Momomi são irmãs. Em certo ponto é dito que o velho mafioso poderia ter outro filho ou filha perdida por aí. A obra nos direciona a pensar que esse “outro filho ou filha” seja exatamente Mikura.

Olha só, para a obra penso que isso não agrega em nada. Mikura não se dá conta em nenhum momento que o velho criminoso pode ser seu pai. Para Momomi isso também não se mostra tão relevante, embora um de seus desejos seja mostrar que pode ser uma sucessora à altura de seu pai na organização criminosa e a existência de outro filho poderia de certa forma atrapalhar os seus planos. Essa foi uma escolha estranha de enredo, mas isso nem é o mais controverso, pois esse elemento da mocinha e a vilã serem irmãs serve basicamente para introduzir um aspecto sobrenatural à obra, o que me faz cogitar francamente a necessidade disso. Mas vamos com calma.

Uma das habilidades de Mikura é justamente ter visões premonitórias, isso não é explicado nem estudado, e se resume a uma habilidade dela ver vislumbres do futuro, nada muito claro nem definido, mas que é uma grande ajuda nas missões e tomadas de escolha. O caso é que Momomi tinha o mesmo tipo de visão do futuro. Só faltou mesmo o exame de DNA para comprovar o parentesco de ambas, pois a obra deu todos os dados possíveis para quem estiver assistindo chegar nessa conclusão.

Um dos méritos da inclusão desse poder estranho foi gerar uma dúvida, pois no começo eu realmente pensei que esse vislumbre de Mikura e da Momomi poderia muito bem ser uma memória do passado, um momento que ambas teriam se encontrado e de certa forma esquecido depois. Eu fico um pouco com o pé atrás de afirmar que esse elemento sobrenatural seja ruim ou bom para Mezzo Forte. Os OVAs funcionariam perfeitamente sem esta inclusão, mas não deixa de ser um elemento no mínimo instigante.

O problema é que a obra como um todo tem pouco menos de uma hora e pouco espaço para aprofundamentos de questões como a árvore genealógica e consequente passado de Mikura e essa questão do poder psíquico dela. As vezes levantar esse tipo de assunto que precisa ser mais aprofundado numa obra que não possui tempo hábil para tanto conta negativamente ao deixar pontas abertas ou dar soluções apressadas. Embora, verdade seja dita, não é algo realmente preocupante e que faça cair a qualidade de Mezzo Forte pois não são elementos determinantes do enredo. Tanto é que esses assuntos aparentemente são tratados de maneira mais profunda no anime Mezzo DSA, que possui 13 episódios. Não sei se na época de Mezzo Forte já se havia a ideia de criar uma série televisa, mas Mezzo Forte seria justamente o prólogo do futuro anime, que se passa após os acontecimentos ocorridos nos OVAs. 

Uma questão que também é muito polêmica e que neste caso específico fez cair a qualidade de Mezzo Forte foi as cenas de sexo. Vou explicar meu raciocínio. Como em Kite, são poucos minutos destinados ao sexo, uma porcentagem ínfima da animação total, mas há uma grande diferença entre essas duas obras irmãs. Primeiramente, posso afirmar que para muitos as cenas de sexo explícito em ambas as obras são desnecessárias e ofensivas. Não tenho como negar isso, já que são cenas pesadas. tanto é que dá para assistir as obras sem estas cenas que não se perde nada do enredo. Embora, no meu ponto de vista, eu veja que tais cenas podem servir para fortalecer a impressão de determinado personagem e avivar a sensação de penúria psíquica e dominação corporal, tendo um propósito no todo da obra. Isso pelo menos em Kite. Já em Mezzo Forte, a situação é completamente distinta.

Voltando às comparações. As cenas de sexo explícito em Kite na sua maioria se resumem à abusos por parte do vilão com a heroína Sawa. Há todo um contexto de dominação corporal e mental. Pelo menos há uma ligação de narração entre a parte sexual e o restante da obra. Em Mezzo Forte temos duas cenas de sexo. No primeiro episódio, logo na parte final, Mikura faz sexo com Kurokawa, não é um estupro e ambos afirmam que sentem sentimentos um pelo outro, nem vou adentrar no fato dele ser um homem na casa dos 40/50 anos e ela uma adolescente. O incrível é que terminado o sexo entre eles, chega o outro membro da DSA, Harada, que simplesmente estupra Mikura.

Depois de ver essa cena de estupro, agravado pelo fato de Kurokawa ter aprovado o ocorrido, logo pensei comigo, que por** é essa. Eles são uma equipe e como vão continuar trabalhando juntos depois disso? E para nossa surpresa, era tudo um sonho erótico de Mikura! Tá dá! Acho que essa foi a justificativa mais capenga que vi para inserir uma cena de sexo entre os personagens de uma obra. A produção deve ter pensado o seguinte: “como vamos fazer todos eles transarem juntos sem parecer um estupro de verdade e não mexer com o andamento do enredo?” Simples, só fazer o sexo em um sonho.

E isso não é tudo, pois temos ainda o segundo OVA e mais uma cena de sexo. Mikura é presa pela Nomomi em uma espécie de calabouço. Além de ser espancada e torturada, Momomi chama dois bandidos que já queriam se vingar de Mikura para estuprá-la por horas. Ok, mais um estupro, nesse caso com dois homens ao mesmo tempo. Temos ainda o péssimo clichê dos pornôs sobre o estupro, inicialmente a vítima tenta fugir mas no decurso do ato passa a “gostar” e “apreciar” o ato. Nem vou me aprofundar no quanto isso é degradante. Mas isso não é tudo, temos ainda mais um pulo do gato! A Mikura não foi estuprada novamente! Por meio de uma operação muito bem planejada, ela foi substituída pouco tempo antes por uma androide igual a ela, e foi essa androide que foi estuprada!

Eu não consegui deixar de achar no mínimo engraçado isso tudo, ou pelo menos uma decisão bem cara de pau da produção. Tivemos duas cenas de sexo com a Mikura, só que a Mikura não fez sexo nenhuma vez! Na primeira vez foi um sonho e na segunda ela havia sido substituída por um robô! De todo jeito eu achei que esse conteúdo explícito em Mezzo Forte foi mera apelação da produção. Pelo menos em Kite dava para teorizar e fazer um encaixe no enredo. Só se o objetivo do estúdio em Mezzo Forte ter sido justamente ressaltar esse aspecto descontraído da obra, só que essa ideia não me comprou.

O fusquinha amarelo subindo a escada!

Por isso e por outras, afirmei que para mim Kite é uma obra no todo melhor e mais completa, muito embora Mezzo Forte seja muito divertido de assistir e possuir uma boa qualidade, mesmo com estas questões um tanto polêmicas. São na verdade propostas totalmente diferentes para um tema semelhante, da adolescente boa de briga. Mezzo Forte apresenta ainda o diferencial de apresentar um tom totalmente diverso, um thriller de ação com uma pitada de bom humor e muito sangue pra dar e vender.

Desta forma, já analisei Kite e Mezzo Forte, agora só falta Kite Liberator, sequência direta de Kite, e Mezzo DSA, o anime televisivo que serviu de sequência para Mezzo Forte. Espero que estejam curtindo a análise das obras dessa franquia e até a próxima!

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