O mangá da vez que será analisado pelo Dissidência Pop será de um autor que já deu as caras no Brasil, mas ainda continua sendo um tanto obscuro diante da natureza de sua obra, ele é Suehiro Maruo, considerado por muitos o pai do ero guro, ou “erótico-grotesco”, um dos subgêneros de mangás mais controversos existentes. O mangá que trago se chama Kaze no Matenrou, e se trata de uma tentativa divertida de Suehiro Maruo em compor uma obra shounen, mas não abandonando as características clássicas de seu estilo marcante.
Suehiro Maruo é o pai do ero guro, para quem não sabe a palavra é a contração adaptada para o japonês das palavras inglesas erotic and grotesque (erótico e grotesco). Sendo assim, suas obras estão repletas de erotismo, decadência e violência, explorando o lado sensual do grotesco. Sem dúvidas não é gênero popular, mas Suehiro Maruo possui sua legião de fãs, visto que o seu ero guro não é apenas violência explícita sem mais nem menos, mas possui identidade, suas histórias são marcantes e possuem propósitos bem definidos, inclusive adaptando material de grandes escritores de horror e mistério, como o japonês Edogawa Rampo, que já inspirou dezenas de animes e mangás.
A obra de Suehiro Maruo é quase que completamente restrita ao mangá, a única exceção é Shoujo Tsubaki, mas conhecido como Midori, uma animação totalmente marginal, muito pobre em recursos técnicos, mas rica em violência explícita como sangue e mutilações. Um clássico do grotesco. No Brasil foram publicados os seus seguintes mangás: O Vampiro que Ri, Paraíso: O Sorriso do Vampiro e Ero-Guro, o erótico grotesco de Suehiro Maruo, todos pela Conrad. Deixando as apresentações de lado, vamos falar sobre o mangá em questão.
Kaze no Matenrou, também conhecido como Weird Storm Boy, foi publicado originalmente em 1995 na revista Manga Boys (Tokuma Shoten). O mangá é composto por um único volume no qual há cinco capítulos. As histórias dos capítulos são episódicas, tirando os dois últimos, os quais protagonizam uma história única. O enredo deste curioso mangá pode ser resumido da seguinte forma: Um garoto com poderes misteriosos é constantemente transferido de escolas, isso enquanto luta com uma diversidade de criaturas sobrenaturais. Matenrou é um nômade, não estreitando laços por onde passa. Pode parecer simples, entretanto, Kaze no Matenrou tem as suas particularidades.
Fugindo um pouco do habitual, Kaze no Matenrou até que é bastante leve para os padrões do Suehiro Maruo, tratando-se de um shonen, explorando vários elementos desta demografia, como a temática do jovem herói em aventuras constantes. Mesmo sendo uma obra leve para os padrões de Maruo, ainda possui algum material gráfico mais pesado, especialmente alguma violência aqui e acolá, como em qualquer mangá mais voltado ao terror.
Como já disse acima, Kaze no Matenrou é uma obra episódica, entretanto, os capítulos se passam no mesmo universo, criando uma sequência lógica de eventos, permitindo que ao longo do desenrolar do mangá seja possível discernir várias características do protagonista, conhecendo-o melhor, bem como resolver vários dos mistérios que envolvem sua vida. Além das nuances de aventura e horror, a obra possui certo tom humorístico, seja pelo desenho, pelos personagens ou pelas próprias situações vividas pelos personagens. Sem dúvidas essa é uma obra relativamente leve onde Suehiro Maruo conseguiu descontrair um pouco.
Todos os capítulos, mais ou menos, seguem a mesma fórmula, Matenrou, o protagonista, chega como estudante transferido em alguma escola do Japão. Misteriosamente, sua chegada sempre está relacionada com fenômenos sobrenaturais causados por criaturas demoníacas. Matenrou sempre acaba se tornando popular entre os alunos com sua postura solitária e madura, ainda mais por sempre dar um jeito nos monstros, o que o faz se tornar um herói. É sensato ele não se enturmar com seus colegas, já que em pouco tempo ele deixará o colégio, apenas deixando a memória de um lobo solitário misterioso e os corações despedaçados das meninas.
Matenrou possui força e agilidade sobre-humanas, bem como pode controlar o vento, criando correntes de ar e até mesmo tornados. Entretanto, desde o primeiro episódio, outro personagem recorrente (um dos poucos) dá as caras para auxiliá-lo. Uma menina fantasma, a qual pode interferir no mundo real agarrando coisas ou pessoas e tomando corpos. Não é dado nenhum detalhe sobre quem ela seja, apenas que possui uma atração por Matenrou e sempre aparece para ajudá-lo. Confesso que senti um pouco a falta de desenvolvimento desta personagem. Se bem que nem Matenrou é propriamente desenvolvido, diante do caráter rápido deste mangá.
Um dos elementos que mais chamam a atenção em Kaze no Matenrou são a comicidade dos vilões, bem como as situações absurdas que os personagens são envolvidos. Por exemplo, o primeiro vilão é uma espécie de demônio-vampiro que pode controlar líquidos e “fugir pelo ralo” por assim dizer. Acontece que ele é exatamente uma cópia do famoso vampiro dos cinemas Nosferatu! Inclusive com os dois dentinhos proeminentes na frente da arcada dentária. O mangá não faz nenhuma referência ao nome Nosferatu, inclusive o espírito maligno se chama Suibou e possui a curiosa habilidade de cuspir um líquido tóxico, além de caranguejos…
O segundo capítulo é mais animado, desta vez Matenrou teve que enfrentar outro espírito, Kokuiten, uma mulher lasciva e misteriosa sedenta por sangue. Esta é uma das partes mais sangrentas e sexualizadas do mangá, mas não chega a ser nada de outro mundo, apenas um pouco de sangue uns peitos. Neste capítulo a turma da sala de Matenrou teve mais importância, diante da existência de um clube paranormal, composto por uma médium, um rapaz super inteligente e um moleque com super olfato. Os três acabam se metendo em grandes confusões, cabendo a Matenrou resolver a situação.
Nesta segunda aventura do nosso protagonista aparece outro personagem recorrente e digno de menção, um vilãozinho que parece aquele anão mágico do filme Midori, o qual inclusive possui um “besouro-móvel”, uma espécie de veículo que utiliza para fugir. Aparentemente ele é um espírito que sempre tentar ferrar com Matenrou, ajudando outros espíritos malignos, até, pelo menos, uma reviravolta lá pelo fim do mangá.
Mesmo sendo uma obra mais descontraída, de vez em quando temos um vislumbre do obscuro Suehiro Maruo, como quando Kokuiten capturou as crianças do clube paranormal e explicou que elas apenas tiveram um “vislumbre” do mundo dos espíritos, e que ela poderia mostrar para eles o verdadeiro horror do desconhecido pelos humanos por séculos e séculos.
Na terceira aventura é apresentado o mais surreal de todos os vilões que compõe esse mangá, Omiminaga-Sama. Vou descrevê-lo da maneira mais concisa possível, ele é um coelho humanoide, com visual de motoqueiro, que dirige uma motoneta sônica e é treinador da ML (Monster League) de futebol. Completamente insano não é? Os seus objetivos também eram. Matenrou se envolveu com o time de futebol de certa escola, onde um dos jogadores, por ter falhado miseravelmente, foi humilhado e expulso do time.
Esse garoto expulso do time acabou encontrando Omiminaga-Sama por acaso e este lhe ofereceu um treinamento para se tornar um grande jogador de futebol. Claro que nem tudo era o que parecia. O coelhão simplesmente aplicou um treinamento na qual transformou o moleque em um coelho humanoide, explicando que a constituição física dos coelhos é mais adequada ao esporte. Bem como, o ser treinou o garoto na arte do futebol mortal, a fim de eliminar todos os seus inimigos mediante chutes poderosos bem ao estilo Super Campeões. Esse é sem sombra de dúvidas o capítulo mais maluco, onde tudo é decidido numa partida de futebol.
Os dois últimos capítulos são os únicos que realmente apresentaram um desafio para Matenrou, o qual havia derrotado seus inimigos, até então, com certa facilidade. O espírito da vez era uma espécie de demônio das areias, o qual podia controlar a mente das pessoas ao colocar areia do inferno em seus olhos. Matenrou quase foi derrotado, não fosse a ajuda de sua amigo e de aliados inesperados. Esses dois capítulos fechando a história final foram os melhores do mangá, servindo como um decente gran finale para as aventuras do garoto das tempestades.
No geral Kaze no Matenrou é uma obra divertida, mas não chega a ser o que Suehiro Maruo pode proporcionar de melhor, não choca o leitor como ocorre na maioria das suas obras, como Midori. Kaze no Matenrou é mais non-sense do que qualquer outra coisa. Para o o que pretende ser cumpriu o seu papel, uma espécie de shonen ero guro aventuresco, com uma pitada de comédia, que funciona melhor pelo absurdo do que pelo humor propriamente dito, já que é meio difícil de rir ao ler Kaze no Matenrou. Esse mangá não deixa de ser um bom meio para conhecer a dinamicidade de Suehiro Maruo e ter uma prova de sua criatividade exuberante.
No que concerne a arte do mangá, bem, é o traço de Suehiro Maruo né? Uma mistura de refinamento do traço com uma atmosfera sedutora, algo meio burlesco por assim dizer. É possível perceber uma sensualidade latente no traço deste autor, algo difícil de definir com palavras. Também lembra um pouco mangás clássicos, dos primórdios do mangá, ou até mesmo do Ukiyo-e, onde Maruo pescou um pouco de suas influências, especialmente o subgênero Muzan-e, um estilo de pintura tradicional japonesa precursora do ero guro.
Assim, Kaze no Matenrou é uma obra recomendada por mim, tanto para os apreciadores do ero-guro quanto para quem deseja conhecer um pouco deste universo, especial de um de seus principais expoentes, Suehiro Maruo. É uma obra boa, divertida, possui seus defeitos claro, mas no geral trás uma nova faceta do autor ao tentar enveredar em uma obra shonen. Por não ser tão pesada como o resto do material de Maruo, também a torna um material bastante acessível para o público em geral. Espero que gostem de Kaze no Matenrou tanto quanto eu.