Kimi ni Shika Kikoenai, também conhecido como Calling You, é um one-shot de autoria de Hiro Kiyohara (conhecido por aqui como responsável pelo mangá de Another), publicado originalmente de forma mensal na Shounen Ace, baseado em uma novela de Otsuichi (Goth), lembrando que não é a primeira vez que Kiyohara adapta uma novela de Otsuichi, até mesmo eu já fiz uma resenha de uma obra desta parceria, Kizu. Assim como Kizu, Calling You possui outras adaptações em mangá, uma inclusive voltada ao estilo shoujo, mas como não li, nada posso falar, embora na internet fui possível localizar críticas ríspidas a esta adaptação, salienta-se que também foi produzido um filme baseado nesta novela.
Kimi ni Shika Kikoenai, resumidamente, nos conta a história de Aihara Ryou, que é uma garota tímida, com grandes dificuldades em se adaptar na escola por não conseguir se expressar, lembra um pouco Tomoko de Watamote, inclusive sofre bullying dos professores por causa deste problema. Outro detalhe relevante é que ao contrário de todo mundo ela não tem um celular, mas apenas um relógio de pulso, algo considerado ultrapassado.
Certo dia, por não ter um celular, passou a imaginar como seria seu celular perfeito, forma, cor, toque, papel de parede, tudo que tem direito, algo bizarro acontece, seu celular toca dentro de sua cabeça! Ela atende a chamada de seu celular imaginário, efetuado por um rapaz, Shynia Nozaki, o qual também possui dificuldades em se relacionar, uma vez que é mudo, e fica o dia inteiro arrumando eletrônicos em um ferro-velho como passatempo. Neste contexto se desenvolve uma grande amizade entre os dois, notadamente Aihara Ryou consegue se comunicar com outra pessoa, uma mulher, a qual a orienta a respeito destas ligações mentais.
Outro aspecto relevante entre a relações dos dois é que ambos se encontram em tempos diferentes, não décadas ou anos, mas apenas uma hora de diferença, o que, inicialmente, é tido como culpa da quantidade de números discados, embora não pareça ter muita lógica, o que não é problema, visto que celulares na cabeça já não possuem muita lógica.
Não houve um grande desenvolvimento das personagens, dado tratar-se de um volume único, mesmo assim foi feito um trabalho eficiente expondo o necessário para poder simpatizar com protagonistas. Calling You também pode ser considerado um “coming of age”. Vemos uma progressão de Aihara Ryou que com a ajuda de seu novo amigo consegue aos poucos superar suas dificuldades de comunicação social e Shynia Nozaki é “salvo” quando pode realizar seu maior desejo poder falar com alguém. Aqui temos uma dicotomia interessante, enquanto Aihara Ryou odeia sua voz ao ponto de desejar ter nascido muda, Shynia Nozaki, mudo, daria tudo para poder falar livremente, e neste contexto quem é melhor que alguém que sabe o valor que a voz realmente possui para ajudar alguém com dificuldade de se expressar? É a junção perfeita.
Alguns relacionam esta obra a um romance, bem, acho que definitivamente romance não é o foco de Calling You, embora que com o desenvolvimento da trama é perceptível que ambos nutrem um possível sentimento de afeto que poderia se desenvolver além da amizade não fosse os eventos fatídicos do mangá.
Calling You é uma obra sobre destino, se ele pode ou não interferir no que já está predestinado a acontecer, tal como encontros e tragédias, e Aihara Ryou teve que aprender esta lição da forma mais dura possível. Eu não cheguei a verter lágrimas com a parte final, embora pesquisando por ai, foi possível verificar que muita gente derramou umas boas lágrimas com a estória, não sendo classificada como tragédia sem motivo.
O contexto sobrenatural da obra, embora não seja dado espaço para explicações acerca do funcionamento destes poderes telepáticos, casou simbolicamente com o desfecho, servindo como uma corrente que atravessa o caminho de amadurecimento da protagonista, que é o foco de Calling You.
No que concerne aos aspectos gráficos, Calling You não é nada de outro mundo, mas eu gosto bastante da arte de Hiro Kiyohara, principalmente com seu cuidado com detalhes mínimos, além de dar uma atenção extra com as personagens femininas, a protagonista notadamente, ficou muito “fofa” por assim dizer, embora em outros trabalhos eu tenha percebido um cuidado maior com a o das cabeças com o corpo em determinados quadros, mas nada que prejudique a experiência de leitura.
Se você está interessado em ler algo diferente e que fuja um pouco da mesmice de obras relacionas, que não demande muito tempo de leitura e que seja de certa forma emocionante, Calling You é uma recomendação minha.
Bem, agora preciso tecer alguns comentários acerca da questão temporal, com alguns bons spoilers, então prossiga por sua conta e risco daqui para frente!
Vamos rever alguns fatos, a mulher que aconselha Aihara é ela mesma no futuro. As ligações mentais não têm nada a ver com números longos ou curtos, mas são ligações feitas por pessoas que precisam uma da outra, como Aihara e Nozaki. O destino não pode ser alterado, haja vista que quando Nozaki morreu ao salvar Aihara do atropelamento, ela, sabendo que Nozaki em sua cabeça estava uma hora atrasado, ligou para ele e tentou desfazer o encontro, de forma que pudesse evitar que ele morra, embora que neste espaço temporal seria ela a morrer, no entanto, mesmo com acontecimentos diversos o desfecho foi o mesmo.
Aihara ao contar para ela mesma mas velha que iria viajar para encontrar Nozaki, viajem que ocasionou o evento fatídico, foi repreendida por algo que sua versão do futuro queria alertar, mas esta voltou atrás e não a advertiu do que aconteceria, então porque Aihara do futuro não avisou a do passado? Só consigo ver uma solução lógica, como a versão do futuro já passou por tudo aqui e soube que é impossível alterar o destino, deixou que tudo se desenrolasse da forma que deveria ocorrer. Mas refletindo sobre isto, então é uma espécie de círculo vicioso, onde passado, presente e futuro estariam conectados.