Kyoko y Papá – E o mercado de mangás na Argentina.

Quem acompanha o Dissidência Pop nas mídias Sociais soube que eu (Gato de Ulthar) me ausentei no final de setembro para fazer uma viajem, por isso o blog ficou um pouco parado. Eu não esperava, mas essa viagem me rendeu alguns bons frutos que podem ser compartilhados aqui no blog.

Antes de mais nada, se não ficou claro no título deste texto, eu viajei para a Argentina, e como bom aficionado por mangás, não poderia deixar de dar pelo menos uma breve conferida no que os nossos “hermanos” teriam a oferecer em termos de mangá. Infelizmente eu não estava assim tão bem de dinheiro para comprar muita coisa, mas fiz algumas boas compras creio eu. Assim sendo, esse texto será um pouco diferente do habitual. Primeiro vou escrever um pouco sobre minhas impressões sobre o mercado de mangás portenho e depois vou falar um pouco de um mangá que comprei lá, Kyoko y Papá. Também informo que minhas análises são quase que puramente empíricas, ou seja, estão baseadas no que vi e em um pouco de pesquisa também, claro.

Vou começar com uma notícia triste, o Brasil pode até ser melhor que a Argentina quando se fala de futebol, mas falando de mangás os argentinos saem na frente. Qual o motivo de eu dizer isso? Vejamos. No quesito banca de revistas, no Brasil há mais títulos em circulação, eu particularmente achei poucos títulos nas famosas bancas. Contudo, as lojas especializadas, onde podemos ter um panorama melhor dos títulos que estão e estavam em circulação, o repertório é imenso. Claramente os argentinos gozam de uma variedade de títulos maior do que os brasileiros.

Meus caros leitores, vocês devem estar se perguntando o motivo de que na Argentina há uma maior variedade de títulos. O motivo é simples, o Argentinos falam castelhano, que basicamente é o espanhol, e sabendo um pouco de geografia podemos lembrar que há uma grande gama de países que falam espanhol, muito mais dos que falam português. Por isso, além dos títulos claramente argentinos, fabricados e distribuídos na Argentina, há uma infinidade de títulos oriundos da Espanha, tanto é que vi muitos mangás com o preço na capa em euro, o que confirma o que estou dizendo. Assim, a Argentina pode se deliciar com os mangás originalmente publicados na Argentina como os que são publicados na Espanha e levados para lá.

Kyoko y Papá, um dos mangás que comprei na Argentina

Também é digno de nota, que há editoras Argentinas publicando na Espanha, como a forte Ivrea, e editoras espanholas publicando na Argentina, como a Letra Blanka. Claro que há títulos exclusivamente publicados na Espanha o na Argentina, mas mesmo assim eles são exportados de um para outro, claro que estes títulos originalmente espanhóis são mais caros que os legitimamente nacionais.

Quanto ao Brasil, temos Portugal né? Mas infelizmente em terras lusitanas o mercado de mangás é (quase) nulo, sendo bem pouco expressivo. Só para se ter uma ideia, a JBC publica mangás em Portugal desde 2018, e até esse momento, somente a Devir vendia mangás lá (https://bibliotecabrasileirademangas.wordpress.com/2018/04/30/os-raros-mangas-em-portugal/). Então não temos nenhuma contribuição de Portugal em nosso mercado de mangás. E os outros países que falam português? Muito menos estes! Não espere uma contribuição de mangás vinda de Moçambique, Angola, Cabo-Verde e etc…

Ressalto que a maior variedade de títulos que afirmo se baseia principalmente pelas minhas andanças pelas lojas. Outro diferencial positivo dos Argentinos é a qualidade de suas publicações, sim, a qualidade, e nisso eles saem na frente do Brasil também. Eu não vi mangás com folhas de papel jornal lá. Mas alguns podem afirmar que eu só olhei mangás novos, e a maioria dos mangás novos no Brasil também não estão mais sendo publicados em papel jornal. O caso é que fui em lojas especializadas, e nessa lojas havia bastante material antigo de vários anos atrás, e mesmo assim não vi papel jornal. Claro que não peguei e abri todos os mangás, ficaria alguns dias fazendo isso, então pode ser que tenham sim mangás de folha de jornal, só que eu pessoalmente não vi nenhum, se há são muito poucos.

Outra curiosidade é que na Argentina eles são apaixonados por sobrecapas. No Brasil a sobrecapa denota uma publicação com um pouco mais de luxo do que uma normal, voltado principalmente para colecionadores mais assíduos. Eu pessoalmente não sou muito fã de sobrecapas, mas isso não vem ao caso. Se na Argentina a sobrecapa é considerada um artigo de luxo, quase tudo é considerado de luxo lá, pois a maioria dos mangás possuem sobrecapas. Seguindo nas curiosidades, os Argentinos também não parecem ser muito fã daquelas edições “omnibus”, onde mais de um volume é reunido em um único tomo. Penso que o Brasil copiou essa “moda”, se eu puder chamar assim, dos EUA, onde a compilação de volumes é bastante comum.

Sobrecapa de Kyoko y Papá.

Na Argentina eu também achei uma maior variedade de títulos bacanas, bem diferentões sabem? Tipo compilações de Suehiro Maruo, uma edição enorme (em proporções físicas) de Blame, e muitos outras obras super caprichadas de autores renomados e pouco conhecidos. Claro que a maioria destas super publicações eram importadas, bastando ver o símbolo do euro em suas capas, então eram muito caras, o que me fez ficar muito triste por não poder levar nenhuma comigo. Em resumo, as edições Argentinas são na maioria bem bonitas, eles estão de parabéns.

Vou falar agora sobre o preço. Eu achei os mangás levemente mais caros lá, claro que há a questão da crise econômica que a Argentina vem sofrendo, com muita oscilação de preços e essas coisas, e além disso muitos mangás nem possuem o preço de capa, estando suscetíveis aos vendedores. Claro que também depende do momento e do valor do Peso Argentino comparado ao Real. Quando viajei eu comprei cada Peso Argentino por R$ 0,14, e quando já estava na Argentina, eu poderia ter comprado por até R$ 0,09! Uma grande oscilação de preços. Mas no geral o preço dos volumes mais comuns é parecido com o Brasil, numa média e vinte e poucos reais.

Os que são realmente caros são os importados que são originalmente tabelados em Euro! Comprei dois volumes de determinado mangá, que direi qual é mais a frente, por uns quarenta reais cada um! Isso sem falar nas edições bonitonas. A compilação do Suehiro Maruo que comente me sairia por R$ 154,00! Não digo que o mangá não valha isso, mas que é uma tremenda facada na maioria dos bolsos isso é! Tanto é que apenas comprei três mangás na viagem, caso contrário, se tivesse comprado mais, correria o risco de ficar sem dinheiro, tive que me conter!

Mas não é hora para se lamentar, vou falar um pouco das minhas aquisições. Eu já estava louco há algum tempo por algum mangá do Hitoshi Tomizawa, mas são bastante difíceis de achar mesmo importados. Foi uma surpresa quando me deparei com os dois volumes de Batlle Royale II: Blitz Royale, da editora Ivrea. Está certo que eu teria preferido encontrar Alien 9 ou Milk Closet, mas mesmo assim foi um achado de ouro! Os dois volumes saíram bem carinhos, por serem justamente aqueles originalmente espanhóis e com preço em Euro na contracapa. Eu não vou falar sobre o conteúdo do mangá, já que no Dissidência Pop já escrevi sobre essa obra anteriormente, então aqui vai o link: BATTLE ROYALE II: BLITZ ROYALE. UMA OUTRA VERSÃO DO CLÁSSICO.

A Qualidade do material é muito boa, o papel me parece off-set, não tenho nada que desabone a qualidade dos volumes. Segue mais outra foto deles, só que desta vez sem a sobre-capa.

O outro mangá que comprei se chama Kyoko y Papá (Kyouko to Tousan). Escolhi essa publicação por dois motivos. Primeiro, é uma história em volume único, ou seja, um “one-shot”. Eu não queria comprar uma coleção completa e muito menos um mangá que deixaria uma história incompleta. Além disso, Kyoko y Papá além de ser um “slice-of-life” divertidíssimo, é um mangá de Masakazu Ishiguro, o mesmo autor do mangá, adaptado para anime em 2010, Soredemo Machi wa Mawatteiru, ou SoreMachi, se preferirem uma abreviação. SoreMachi é um anime de comédia que aprecio bastante. Além disso, outro mangá de Masakazu Ishiguro apareceu aqui no blog, Getenrou: GETENROU. UMA VIAGEM COMPLETAMENTE INSANA.

Foi uma ótima aquisição, tanto pela qualidade da publicação bem como pela raridade do título. Só em uma coisa eu acabei boiando! Mesmo sendo uma “one-shot”, Kyoko y Papá é um mangá “spin-off” de outro mangá do mesmo autor chamado Nemuru Baka. Quando eu soube disso fiquei chocado, mas não há necessidade de pânico, mesmo sendo um “spin-off”, o mangá é plenamente legível sozinho. Mais para frente eu explico melhor a ligação entre esses dois mangás.

Vou dar a sinopse de Kyouko e Papá. Vejamos então, o mangá segue a vida de Kyoko, a filha mais velha da família Iwasaki. A garota é uma mangaká, ou seja, desenha mangás profissionalmente. Ela levaria uma vida normal se não tivesse que aturar as estrepolias de seu pai, que mais parece uma criança. Para se ter ideia, um de seus passatempos favoritos é brincar com uma katana no jardim fingindo estar em um filme de samurais. Kyoko ainda passa vários apertos, como ter que se preocupar que seu pai só come macarrão instantâneo quando a sua mãe foi viajar, escândalos em uma loja de departamentos, entre outras diversas coisas.

Mesmo tendo que conciliar a carreira de mangaká com a de “mãe” de seu pai, eles se dão super bem. Assim, o mangá é um compilado da vida cotidiana dessa curiosa família. E ainda tem mais, o pai da Kyoko aparentemente sabe ser sério quando precisa, principalmente quando quis testar o namorado de sua filha, que por sinal é o seu editor. O velho o desafiou para um jogo semelhante a Banco Imobiliário! Essa foi uma das melhores partes do mangá. Também é interessante ver a parte do mangá que mostra que a vida de mangaká não é fácil devido aos prazos apertados, e essa situação piora para a Kyoko, já que além dos prazos apertados, tem que lidar com o seu pai.

Kyoko y Papá é uma comédia despreocupada, mas mesmo assim conseguiu levantar alguns mistérios bem interessantes. Por exemplo, Kyoko possui uma irmã mais nova, Ruka, que há alguns anos atrás, depois de brigar com todo mundo, saiu de casa e abandonou a faculdade para virar uma cantora, sem dar notícias por anos. Essa é então uma preocupação constante da família, que não deixa de se assustar quando vê a notícia de um corpo de uma garota encontrado em algum lugar.

O mangá também sabe ser traiçoeiro e quebrar nossas expectativas quanto aos seus mistérios! O mangá começa logo de cara com um flashback, onde a Kyoko aparece ensanguentada e o que tudo indica seu pai parece estar sendo conduzido pela polícia. Isso já faz o leitor esperar uma coisa, e o que é entregue mais a frente do mangá é uma outra completamente diferente. Não vou dizer o que se trata para não dar um spoiler relevante.

Os últimos capítulos são extras, e cá chegamos com a referência ao outro mangá que mencionei, Nemurubaka. Explicando, Nemurubaka, publicado de 2006 a 2008, narra a história de duas garotas que moram juntas, uma responsável e a outra possuidora de um “espírito livre”, que tenta, de maneira mal-sucedida, procurar por si mesma e pagar as contas. Ocorre que esta garota, Ruko, é a irmã de Kyoko, daí a ligação entre os dois mangás. Por sorte não é necessário ler um para entender o outro, já que são obras bastante independentes. Um dos capítulos é sobre um encontro familiar na casa alugada de Ruka e o outro um prelúdio de Nemuru Baka, onde mostra como Ruka se tornou vocalista da banda Peat Moth. O legal dessa edição é que nem no Japão esse capítulo extra foi compilado em um tomo.

No geral Kyoko y Papá é um mangá super bacana, uma leitura fácil e despreocupada. É impossível não se divertir com as trapalhadas do pai da Kyoko. Acho que não seria muita presunção considerar essa obra um exercício bem sucedido das dificuldades e felicidades que as famílias estão suscetíveis a enfrentar, e mais especialmente, como muitos homens adultos podem se tornar muito mimados pelas esposas e não conseguirem se virar sozinhos quando estas não se encontram com eles. Ou seja, há muitas pessoas mais velhas com mentalidade de crianças.

Então é isso, espero que tenham curtido esse artigo diferente, bem como minhas experiências da Argentina. Quem tiver algo a acrescentar quanto ao tema, ficaria honrado que comentassem na seção de comentários. E fica a dica do mangá Kyoko y Papá, recomendável para quem curte um slice-of-life leve e divertido. Até a próxima!

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