Hoje eu vou falar sobre um mangá que foi publicado no Brasil em 2011, Aventuras de menino, de Mitsuro Adachi. Esta obra entra naquele rol de mangás lançados no Brasil que algumas pessoas conhecem e muitas outras não. Trata-se de uma tocante seleção de contos que tratam sobre o mistério da infância masculina e como se dá a transição para o mundo adulto. Será que ainda sobrou alguma coisa daquele menino que você foi um dia?
Aventuras de menino foi um dos únicos mangás publicados pela editora L&PM Pocket, que é muito famosa no mercado de livros de bolso, como o próprio nome leva a indicar. Assim sendo, os mangás desta editora saíram neste formato, pequenos e práticos. Para alguns, esse forma é ruim por ser pequeno e a editora não utilizar orelhas, o que desgasta a capa mais rapidamente.
Infelizmente, parece que a L&PM Pocket não possui mais nenhum interesse em publicar mangás. As investidas nesse nicho foram poucas e cautelosas. Além de Aventuras de menino em 2011, tivemos os dois volumes de Solanin, isto no mesmo ano. Solanin é um mangá famoso de Inio Asano, e mesmo assim a editora nunca republicou a obra, mesmo sendo quase impossível de achar atualmente e que certamente venderia muito bem.
O mangá mais recente publicado foi Fim de Verão, de Mohiro Kitoh, isto em 2015. Kitoh é mais conhecido por Narutaru, que ganhou uma análise recente aqui no Dissidência Pop. Além disso, e editora também publicou uma série de mangás sem muita expressão baseados em obras famosas da literatura mundial, como Irmãos Karamazov, A Metamorfose e O Grande Gatsby. Nisto se resumiu a empreita da L&PM Pocket no universo dos mangás, e um dos seus frutos foi justamente o mangá Aventuras de menino, que passo a analisar.
Sobre a obra, o seu título original é Bouken Shounen, e se trata de uma compilação de diversas histórias one-shot de apenas um capítulo publicadas de 1998 até 2005 na revista Big Comig Original, publicação famosa de onde saíram mangás de renome como Monster e Pluto. A data de publicação de cada conto original é bem diversificada. Por exemplo, o primeiro capítulo foi publicado em 1998, o segundo somente em 2000, e daí por diante tivemos um capítulo por anime até 2005.
Sobre o autor, Mitsuru Adachi, que até a publicação de Aventuras de menino era inédito no Brasil, trata-se de um renomado autor japonês de mangás, muito conhecido por suas comédias românticas e obras sobre esporte, principalmente sobre beisebol. E é justamente é sobre beisebol o seu mangá mais famoso, Touch. Mitsuru Adachi também é reconhecido pela maneira que retrata a vida cotidiana, sendo considerado um mestre do slice of life.
Além disto, ele é considerado um dos poucos mangakás que conseguem transitar com maestria entre os mais diversos gêneros, tendo escrito histórias e se tornado popular com obras voltadas para a demografia shonen, shoujo e seinen. Aventuras de menino é em sua essência um mangá slice of life, pois apresenta um retrato variado do cotidiano de diversos personagens, e como estes lidam com suas memórias do passado.
O mangá também se aventura na fantasia e na comédia. Algumas histórias são sérias, outras são tocantes e algumas são engraçadas. Quanto ao aspecto paranormal, estamos diante de um realismo fantástico, onde os elementos fora da realidade não são questionados nem explicados no enredo, apenas servindo para o desenlace dos eventos protagonizados pelos personagens principais. Essa variação de temas e abordagens representa bastante a própria essência de Aventuras de menino, uma vez que se trata de diversos contos não sequenciais e com bastante espaço de tempo entre a publicação de um e outro.
Se eu pudesse afirmar qual seria o elemento que liga todas as histórias que formam esta antologia, seria a questão da memória. Aventuras de menino mostra com maestria que de vez em quando o passando volta para nos atormentar e não sabemos como seguir adiante. As vezes o passado volta de forma sobrenatural, já em outros momentos assume uma perspectiva de um reencontro com alguém que marcou sua vida no passado, ou, ainda, a mera rememoração de eventos marcantes.
Outro aspecto importante do mangá é a questão do masculino. Como o próprio título afirma, são “aventuras de menino”, não aventuras de crianças no geral e nem de meninas, mas de meninos mesmo. Isto faz surgir algumas implicações interessante sobre o que é ser homem na sociedade japonesa moderna. Pressões sociais para se adaptar a uma sociedade cada vez mais tecnológica, mecanizada e competitiva. Por isso, não raras vezes, nos deparamos com o problema atual de muitas pessoas que não conseguem lidar com estas pressões e sucumbem aos mais diversos problemas psicológicos.
Aventuras de menino demonstra muito bem que ser adulto é difícil, tudo é frio, cinza, sem vida. Trabalhar, sustentar a família, conviver socialmente. Como era bom o tempo de menino, não é? Poder brincar com os amigos, ou mesmo sozinho. Realizar explorações, se apaixonar pela primeira vez, etc. Tudo sem o peso que a vida adulta cobra, tudo era mais leve. Para os protagonistas das histórias desta antologia, como também para muita gente, a infância seria o Éden perdido. Saímos do paraíso e fomos jogados no mundo para aprender a viver. Não temos mais o colo e a proteção de nossas mães, temos que enfrentar tudo e todos.
Por isso há esse apego nostálgico pela infância, um desejo de retornar para um tempo mais fácil, sem muitas preocupações. E este embate entre a infância x maturidade é que dita o tom de Aventuras de menino. Como já dito acima, cada capítulo possui uma estória singular. Mesmo assim, há grandes afinidades que ligam todos os capítulos desta antologia, pois cada seguimento lida com a maneira que um personagem se relaciona com uma diferente memória da infância que ainda repercute em sua vida adulta.
Memórias estas que podem ser boas ou ruins. O mangá passa uma mensagem de que se deve superar estes dilemas existenciais, e de que forma se faria isso? Seguindo em frente, dando uma segunda chance, perdoando alguém ou a si mesmo. As possibilidades são variadas e cada uma se encaixa com uma história em específico.
Para quem já chegou na vida adulta, como eu, este mangá se torna ainda mais especial pelo senso de nostalgia que ele impõe no leitor, o que é ainda mais acentuado quando você se identifica com o conteúdo apresentado. Mesmo com as histórias sobrenaturais ou as mais bizarras, ainda é possível se identificar e perceber a humanidade da obra de Mitsuru Adachi.
A infância é algo realmente esquisito. Muito do que achamos maravilho e queremos retornar, muitas vezes nem se deu da forma boa que lembramos. O próprio mangá se dá o trabalho de nos avisar de forma clara que analisamos nossos tempos de infância sob uma ótica da nostalgia. Será que era mesmo aquele paraíso todo? Muito provavelmente não. Mas esta não é uma mensagem pessimista, muito pelo contrário, é encorajadora, pois ajuda a perceber que devemos sim relembrar das coisas boas do passado e ficar feliz com isso, mas que temos que seguir o único caminho possível que é adiante, não tem como voltar atrás nessa vida.
Cada capítulo apresenta um protagonista que consegue realmente mudar com o desenrolar da história. Mesmo se tratando de capítulos curtos, o desenvolvimento é evidente. Há realmente uma resolução de um trauma do passado ou meramente a melhora da situação pessoal em algum aspecto. Neste ponto, também deve ser mencionada a criatividade do autor em criar narrativas tão diversas e tocantes, desde um grupo de amigos unidos por uma tragédia, viagens temporais, um cara que acaba sequestrando a filha de uma antiga colega de escola e até algo simples, como a relação de um homem de negócios com o filho que joga beisebol muito mal.
A arte de Mitsuru Adachi é um assunto interessante, tudo é bem detalhado e desenhado, mas os personagens são um tanto caricaturais. Demorei um pouco para me acostumar com o estilo do autor, mas percebi que casa muito bem com o tom leve e descontraído de muitas das histórias, que mesmo possuindo momentos tensos, ainda se trata de um slice of life. Outra constatação sobre a arte, é que, pelo menos para mim, ela funciona muito bem para personagens infantis, muito mais do que para os adultos.
No fim, Aventuras de menino é um mangá simples e rápido de se ler (li em uma “sentada” por assim dizer.). Sendo recomendado para todos aqueles que gostam de um mangá menos convencional e que sabe retratar a vida normal com maestria, bem como consegue fazer refletir sobre o próprio significado da vida. Mitsuru Adachi é um autor que, sem sombra de dúvidas, merece mais espaço no Brasil. É esta a minha análise e recomendação de hoje, espero que tenham gostado!