Recebi sugestões para escrever sobre Lovecraft, afinal, quem escreve para vocês, caros leitores, é uma criatura lovecraftiana, o Gato de Ulthar, e nada mais justo que homenageá-lo não é mesmo?
Bem, havia pensado em escrever sobre dicas de compra dos livros de Lovecraft, contudo, deixarei para outra oportunidade, primeiramente surgiu em minha mente abordar algum anime ou mangá que faça referência à sua obra. E o que veio em minha mente? Digimon, isso mesmo, monstros digitais, aquele anime que marcou a infância de muitos dos leitores daqui, e afirmo sem ressalvas, mostrem este anime para suas crianças, pode ser netos, filhos, sobrinhos, etc, o que é bom deve ser perpetuado! Mas voltando ao assunto, a única similaridade entre Digimon e e o mythos lovecraftiano não se resume no fato de ambos terem monstros, são referências muito mais singulares que passarei a expor, com direito a alguns easter eggs.
Digimon Adventure, lançado em 1999, foi a primeira série da franquia, com origens naqueles “bichinhos virtuais”, o tamagotchi, que era uma febre que todo mundo brincava quando era criança, pelo menos quem tiver na minha faixa etária. Digimon Adventure, obteve sucesso da crítica especializada e pelo público infantil, o que culminou no prosseguimento da franquia.
Um dos destaques deste anime foi que, mesmo sendo voltado para o público infantil, possui uma trama bem amarrada e de qualidade, com personagens bastante profundos, não rasos como uma piscina infantil que nem Ash de Pokemon, não que profundidade no desenvolvimento de personagens gere algo bom, ou um anime precisa de personagens tão bem elaborados para ser bom, mas mesmo assim, esta foi uma das características de Digimon.
O aspecto do enredo também em nada ficou a desejar, era bem construído e mesmo sendo em um mundo fantástico, transmitia bastante credibilidade quanto as ações dos personagens em relação com aquele mundo novo em que viviam. Destaque também para os dramas pessoais dos personagens, como Matt e Sora, entre outros. Enfim, eu estou revendo a franquia, no momento terminei a quarta temporada, e desta vez posso analisar de forma mais madura e crítica do que quando eu assisti pela primeira vez na infância, e confesso que ainda consegue me entreter bastante.
Depois temos a segunda temporada, sequência direta, Digimon Adventures 2, que pra mim, bem como para a maioria, decaiu de qualidade, protagonista chato, personagens nada cativantes e enredo mais fraco do que seu antecessor. Não chega a ser de todo mal, ainda é divertido, mas como todos sabem, quando temos uma segunda temporada de algo bom, são criadas grandes expectativas e frequentemente não são cumpridas, pois sempre se espera algo tão bom, ou ainda mais, do que a série originária.
Em 2001 temos a continuação da franquia, desta vez uma série original, sem vínculo com as antecessoras, Digimon Tamers, possuindo argumentos totalmente novos quanto o mundo digital, a essência dos digimons, além de elementos novos como o uso de cartas. É sem dúvidas o mais adulto de toda a franquia! Claro, mesmo assim é infantil, não terá nada de violência ou apelação sexual, perfeitamente assistível por qualquer infante. Minha afirmação se dá pelo fato de que o anime apresenta um enredo bastante “denso”, as questões abordadas são mais intensas, com definição de mal ambígua, além de emoções mais pesadas, como lidar com a morte, esta é primeira vez que ocorre a morte de um digimon, nas antecessoras, desde o início se sabia que cada digimon que morria acabaria renascendo em um ovo qualquer hora, desta forma, qualquer morte, mesmo dramática, perdia sua intensidade por todo mundo saber deste fato, já em Tamers, não, morreu, acabou. A maneira que as crianças tem que lidar com este tipo de situação torna a obra mais pesada, além de outros momentos de complexidade presentes na série, como julgar a definição de mal ou bom, e considerações de o que é um ser vivo, além dos já presentes dilemas familiares bastante recorrentes.
Há também em Tamers vários elementos cyberpunk, e filosóficos como no caso da enteléquia. A discussão entre seres vivos e existência paralelas na rede possui uma abordagem totalmente diferente do que os antecessores que simplesmente partiam em uma aventura por outro mundo, em Tamers é tudo mais casual e menos aventureiro, como posso dizer, mais sutil. Isso se dá, de certa forma, por Digimon Tamers ter por roteirista ninguém menos que Chiaki J. Konaka, responsável por Serial Experiments Lain, e é incrível como as duas obras abordam temas semelhantes de maneira semelhante, embora Digimon Tamers ser voltado para o público infantil. Bem, quero me aprofundar neste tema em outra postagem, sobre semelhanças entre Digimon Tamers e Serial Experiments Lain. Há ainda as continuações de Digimon, uma sem conexão com a outra, a não ser Digimon Fusion, mas estas não me interessam neste post, as referências lovecraftianas que tratarei se limitam a segunda e terceira temporada, além de considerações gerais do conceito de Digimon.
Hora de começar o que realmente importa, as referências, e mais, claro que vou usar alguns spoilers de várias temporadas de Digimon e da obra de lovecrat, então esteja avisado.
Primeiramente vamos falar de Digimon Adventure 2, embora seja uma temporada não tão boa como a original, teve seus momentos marcantes e um deles está intimamente ligado com Lovecraft, o fatídico episódio 13, “O chamado de Dagomon”.
Esse episódio em particular chamou muito a atenção de todos que viram pela primeira vez, percebe-se que está totalmente deslocado com a constância da série, tanto em questão de enredo como na psicologia dos personagens, além de ser muito mais sombrio do que o restante dos episódios, o que levou muita gente a elaborar as mais diversas teorias a respeito.
Neste episódio, pela primeira vez, ficamos sabendo que há mais mundos além do mundo real e do mundo digital, o chamado mundo negro, onde há somente um ponto de referência, o oceano negro. Somente isso já é de se chamar a atenção, qual seria o motivo de criar um mundo a mais? Ele ainda terá importância em apenas mais um episódio no futuro.
O resumo do episódio revela coisas interessantes e vai servir como base para eu conseguir dissecar ele e fazer uma análise apurada. A personagem Hikari, que significa luz, irmã de Taichi, onde só pra relembrar, ambos eram protagonistas da primeira temporada e apenas Hikari e Takeru, os mais jovens continuaram como protagonistas, as demais crianças escolhidas se tornaram secundárias.
Voltando, Hikari começa a ter estranhas visões no colégio, contudo, sua parceira Gatomon já havia notado algo errado nela. O ambiente começa a ficar escuro e nublado e a sala de aula fica afundada até a altura das canelas em água, Hikari fica com um olhar vazio e distante diante desta situação. Apenas Takeru consegue perceber que há algo errado, pois vê Hikari se desvanecendo, ela cai e o professor a manda na enfermaria, ela o desobedece e sai errante por ai, continuando a ter visões, inclusive com vultos a chamando para algum lugar, Takeru a encontra e ela diz que está sendo chamada pois está desaparecendo desse mundo e sendo levada para o mundo das trevas. Ela realmente desaparece e aparece neste outro mundo que é coberto por névoa, há uma pequena vila e um farol tenebroso que emana uma luz negra na praia. Seus amigos tentam procurar, Daisuke insiste que ela está no mundo digital, contudo Takeru sabe que não é bem assim e vai em direção a praia onde foi que Hikari desapareceu.
Hikari, ou Kari na versão portuguesa, se dirige à praia e encontra um túnel escuro e vê silhuetas daquelas criaturas que ela viu nas visões, possuindo olhos vermelhos assustadores. Ela pergunta se são digimons, eles respondem com outra pergunta “digimons?” Com isso aparece uma daquelas comuns fichas de identificação de qualquer digimon que aparece na série, o identificando como Hangyomon, um digimon tipo besta aquática, parece um peixe humanóide, no entanto, neste mundo eles são negros e afirmam não saber quem são e de onde vieram, só sabendo que servem um “deus” que vive nas profundezas do oceano. Estas criaturas possuem espirais negras nos pulsos, que é o meio que primeiro grande vilão da série utilizava para controlar digimons, e eles afirmam que um novo deus pretende dominar este mundo, se referindo ao Digimon Kaiser, neste instante aparece um digimon voador e ataca Hikari e as criaturas, Takeru e Tailmon chegam para salvar Hikari, uma luta se inicia, enquanto isso descobrem que o farol é uma torre negra, que é o objeto usado pelo Digimon Kaiser para fornecer energia às espirais, a torre é destruída, Gatomon evolui para Angewomon e derrota o digimon do mal.
Aparentemente tudo voltaria a normalidade, mas as criaturas agora livres revelam suas verdadeiras intenções, aprisionar Hikari para ela servir como esposa e gerar novas criaturas híbridas, a fim de conseguirem poder para combaterem o novo deus! Neste momento as criaturas assumem suas reais formas, como criaturas humanóides envoltas em sombras, ainda mantendo o aspecto de peixe.Todos vão embora deste mundo carregados por Angewomon e por fim, aparece somente a silhueta de Dagomon emergindo do oceano nebuloso.
Uau, este foi um episódio bastante macabro, com uma infinidade de coisas estranhas e mistérios nunca revelados, mas é possível extrair muita coisa dele, vamos dividir em tópicos (só uma nota, cada tópico poderá estar relacionado com outro, são todas informações intercambiáveis):
1) No início de cada episódio é dito o nome do respectivo episódio, contudo neste episódio em particular, antes da apresentação do nome após o término da abertura há um easter egg, por poucos instantes aparece uma imagem com um texto no alfabeto dos digimons, o digi-cod, vejamos:
Este é o alfabeto digimon:
Bem, traduzindo o texto pode se obter a seguinte frase:
“Ph’nglui mglw’nafh Cthulhu R’lyeh wgah’nagl fhtagn”
A qual significa aproximadamente: “Em sua casa em R’lyeh, Cthulhu morto espera sonhando”.
R’lyeh, a cidade que desafia qualquer entendimento de geometria. |
Cthulhu é o símbolo máximo da mitologia lovecraftiana, ele é uma entidade cósmica, um dos Grandes Antigos, uma raça de deuses cósmicos ancestrais, que está em estado de repouso em sua cidade afundada de R’lyeh, esperando o alinhamento total dos planetas para poder despertar e voltar a escravizar os humanos como bichinhos de estimação. Ele fez a primeira aparição em “O Chamado de Cthulhu.” e brevemente em outros escritos.
Cthulhu. |
Essa frase é marcante em “O Chamado de Cthulhu”, e o nome desta obra faz referência ao nome do episódio, “O Chamado de Dagomon”.
2) Hikari, porque Hikari recebeu “o chamado”? Na mitologia lovecraftiana haviam pessoas especiais que podiam se comunicar com as entidades cósmicas, bem como com a maior infinidade de seres possíveis. Cthulhu, mesmo em estado inerte, podia se comunicar telepaticamente com pessoas escolhidas, uma vez que ele desejava que o cultuassem, por isso haviam na Terra, diversos cultos a Cthulhu, nas mais diversas culturas, neste caso geralmente eram xamãs, feiticeiros, etc, ligados a cultos macabros.
Mas, havia outra categoria de pessoas capazes de se comunicar com estas entidades, geralmente pessoas sensitivas, como médiuns, mas também se aplicava aos artistas, como poetas, pintores, escritores, os quais geralmente estavam à margem da sociedade.
Hikari é uma personagem singular, desde a primeira temporada ela apresenta poderes anormais, como sendo a única capaz de conversar com espíritos desconhecidos, além de uma habilidade única de brilhar, que se mostrou muito útil no episódio 49, onde ela usou sua habilidade para guiar seus companheiros para fora de uma cidade subterrânea além de dar força extra para os digimons e se tornar uma deusa para os numenons, aqueles digimons que jogavam cocô. Nunca foi explicada a origens do poder dela.
Desta forma, resta comprovado que Hikari é uma pessoa singular, a qual possui habilidades psíquicas, sendo, pois, perfeitamente compatível a manter comunicação telepática com qualquer espécie de entidade de outro mundo.
3) Agora vamos entrar no universo de uma estória específica de Lovecraft, “A Sombra de Innsmouth” que possui significação marcante para o enredo do episódio analisado.
Primeiro, mais um easter egg, vejamos, quando Hikari caminha no outro mundo após ser teletransportada, eu uma cerca aparece uma pequena placa, novamente escrita no idioma dos digimons:
Nesta placa, traduzindo temos “Innsmouth”, esta é uma pequena cidade costeira, típicas do leste americano, que vive da pesca, sempre coberta de névoa e possuidora de uma aura lúgubre. Neste ponto, o outro mundo no qual Hikari foi parar é semelhante com Innsmouth e a placa só ajudou a confirmar a semelhança.
A cidadezinha pesqueira de Innsmoth. |
4) Innsmouth é o lugar em que se passa “A Sombra de Innsmouth”, as próximas referências assim como a anterior estão relacionadas com esta estória específica.
Agora vamos ver as criaturas que Hikari encontrou na caverna, a primeira vista eram Hangyomons, digimons meio humano e meio peixe, no entanto se transformaram em criaturas diferentes, mas ainda semelhantes a homens peixes, mas envoltos em sombra.
Hangyomon |
Hangyomon encontrado no Oceano Negro acima. Agora vejam no que os hangyomons se transformaram:
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Em A Sombra de Innsmouth as criaturas que protagonizam são os chamados “Deep Ones”, seres abissais que parecem uma mescla entre homens, sapos e peixes, os quais habitam as profundezas do oceano.
Fica claro a semelhança entre os habitantes do outro mundo com os Deep Ones de Lovecraft, e a maneira deles agir perante Hikari também é reveladora. Eles possuem a intenção de “cruzar” com Hikari para criar indivíduos híbridos. Na estória de Lovecraft, Innsmouth é habitada por descendentes dos Deep Ones com os primeiros habitantes do vilarejo, eles nascem com aparência humana e ao longo do crescimento vão criando feições de peixes, até se tornarem seres abissais completos e irem morar na água.
5) Agora, onde entra Dagomon? Os Deep Ones de Lovecraft eram criaturas adoradoras de Dagon. Dagon, um deus de origem sideral que na Terra foi cultuado como sendo uma divindade semita de mesmo nome, o qual morava no mar.
Nada mais normal que as criaturas estranhas adorassem como sendo seu Deus uma criatura semelhante a Dagon, assim como ocorre na mitologia lovecraftiana.
Uma curiosidade é que Dagomon se parece mais com Cuthulhu do que Dagon, como vocês podem notar pelo aspecto cefalópode de Dagomon.
6) Fora deste episódio, apenas na última fase do anime, aparece como um time de antagonistas os chamados Daemon Corps. Um grupo de digimons malignos liderados por Daemon, também mantém uma ligação estreita com o mal que foi infectado no Ken, um dos protagonistas, antes antagonista conhecido como Imperador Digimon ou Kaiser Digimon.
Daemon é muito forte, nenhuma das crianças escolhidas connseguer dar conta dele, então é sabido que a fonte do poder maligno de Ken derivava do “Oceano Negro” o outro mundo e que Ken já o visitou, sendo o seu digivice capaz de abrir um portal para aquele mundo, então Ken consegue selar Daemon no Oceano Negro.
Além disto, devo mencionar um símbolo constante no capuz de Daemon, o símbolo dos Elder Gods, os deuses anciões de Lovecraft, que serve de proteção contra outra raças de deuses antigos, como Cthulhu, haja vista ambos serem inimigos.
É diferente do símbolo originalmente descrito por Lovecraft, contudo outros autores continuaram escrevendo sobre o mythos lovecraftiano, um deles foi Darleth, Que expandiu o universo. Contudo ele é muito criticado por ter inserido no universo lovecraftiano a dicotomia entre o bem e o mal, sendo que estas noções inexistem no cânone oficial de Lovecraft. A versão do símbolo usada em Daemon foi criada por Darleth.
Daemon |
7) A noção de vários mundos, só em Digimon Adventure 2 temos três mundos diferentes em “dimensões” diferentes, novamente em Lovecraft também. Primeiramente vale mencionar que em Lovecraft há dois tipos de outros mundos, primeiramente podem ser referir aos muitos planetas alienígenas bem como mundos em outras dimensões e neste ponto mora a semelhança.
Há o outro mundo no mythos lovecraftiano, chamado de “mundo onírico” ou mundo dos sonhos, sendo que alguns humanos tendo poderes especiais ou utilizando técnicas ou procurando templos especializados conseguem alcançar esse outro mundo. Há nele cidades fantásticas toda sorte de criaturas, até mesmo os seres cósmicos que aparecem na Terra podem aparecer no mundo onírico. Também há outros mundos oníricos, por exemplo há o da Terra, o de Marte, da Lua, cada corpo celeste pode ter o seu. Este conceito de outro mundo se assemelha bastante com o conceito de mundo digital presente em Digimon.
Cidade de Celephais, no mundo onírico da Terra. |
Cidade de Ulthar que fica no mundo onírico da Terra, onde os gatos são a atração (fazendo merchandising próprio). |
Agora é o momento de falar sobre Digimon Tamers, neste caso não temos um episódio específico, no anime em geral é possível extrair várias referência, vamos ver:
1) Primeiramente vamos tratar da organização Hypnos. É uma organização governamental não oficial que opera por de baixo dos panos no edifício mais proeminente de Tokyo, tem a função de estudar e prevenir que os digimons se materializem no mundo real. Seu líder via originalmente os digimons apenas como monstros destituídos de vida, contudo ao passar da série e conhecer os heróis, passa a mudar de opinião e trocar a postura inicial de antagonista.
Há dois programas de computador criados para destruir os digimons que aparecem no mundo real. Yuggoth, que literalmente deleta os dados do digimon alvo, sendo eficaz para digimons medianos, mas se mostra inútil para os mais fortes. E Shaggai, este é mais poderoso, abre um portal entre o mundo digital e o humano, e força que o digimon que está sendo materializado volte ao mundo digital.
Yuggoth na rede. |
A questão é que Yuggoth e Shaggai são dois planetas existentes no universo de Lovecraft. Yuggoth é o lar dos famosos fungos de Yuggoth, os chamados Mi-go, o interessante era que Lovecraft o mantinha esse planeta como sendo Plutão, um corpo pequeno além de Netuno que era um planeta até pouco tempo atrás, isto antes mesmo de Plutão ter sido descoberto. Os Mi-go, que aparentam ser uns insetos superdesenvolvidos, sempre visitaram a Terra, não são muito belicosos mas representam um perigo, cuidado com seu cérebro.
Um Mi-go fazendo seus experimentos. |
Shaggai, não foi criado por Lovecraft, mas por Ramsey Campbell, mas um dos herdeiros clássicos de Lovecraft. Shaggai é um planeta onde vivem os Shans, criaturas insectoides pequenas com tecnologia muito avançada.
Shans |
2) A noção de mal. Em Tamers, os digimons não podem ser taxados de bons ou maus, diferentemente das outras séries, ninguém quer dominar o mundo nem é portador de um “mal eterno extremamente poderoso”. O mundo digital em Tamers foi uma criação humana rudimentar de criaturas compostas por dados que viviam em um lugar na internet, após isto, a inteligência artificial foi capaz de propiciar uma desenvolvimento contínuo destas criaturas, até que chegarem no estado atual. Como foram criadas para lutar entre si, este é o caminho que procuram, é a lei da selva, onde o mais forte vence e avança, a evolução é o objetivo dos digimons.
Eles possuem a vontade de se expandir, e o mundo terreno oferece muitas possibilidades, a questão é que terão de invadir e conquistar, outro motivo é que o mundo digital vive em constante risco com a ameaça do D-Reaper, um destruidor de dados. Também há quatro deuses, que são os digimons que mais evoluíram e governam as quatro regiões do digimundo e comandam as ações dos demais digimons.
Os digimons querem sobreviver, isto é errado? Da análise humana poderia se dizer que sim, pois gera danos aos humanos, o que não é nada bom, mas para eles, não estão fazendo nada além de buscar a sobrevivência, tendo direitos como uma nova forma de seres vivos.
Há no próprio anime diálogos sobre esta questão, um deles é sobre a natureza dos Devas, os Devas eram digimons poderosos servos dos quatro deuses, são correspondentes aos doze signos do zodíaco chinês, além de “Deva” ter correspondência com o budismo e hinduismo. Discutindo sobre a natureza benéfica ou maléfica deles, o professor de kung-fu do protagonista Jen dá uma aula sobre os devas, afirmando que para alguns eram vistos como demônios e para outros como deuses.
Em Lovecraft funciona parecido, as entidades cósmicas não estão limitadas por pontos de vista humano e sentimentos.
3) O D-Reaper especificamente, o antagonista principal de Digimon Tamers, não se pode chamar de vilão, pois não é possível inserir nele uma definição de bom ou mal, claro, ele é mal apenas do ponto de vista humano, mas jamais em si mesmo.
D-Reaper é um programa de computador rudimentar, assim como os digimons, os quais foram evoluindo durante os anos até se tornarem seres conscientes. Contudo, D-Reaper, embora crescido em poder, sua consciência se manteve primitiva, obedecendo seu comando básico, destruir anomalias, primeiramente os digimons e depois os humanos, ao analisar que estes são prejudiciais e anômalos para a Terra, possuírem sentimentos negativos e emoções ilógicas, tanto é que poupa outros seres vivos (não deixa de estar certo). Não possui emoções, age friamente, como um comando de computador.
4) Quando o D-Reaper aparece no mundo real, uma emissora de TV coloca ao ar entrevistas de vários especialistas sobre os eventos que estão ocorrendo, uma delas é com o professor Uchiharato Tetsuo da Universidade de Miskatonic.
Bem, a questão é que a Universidade de Miskatonic não existe! É uma instituição fictícia presente no universo lovecraftiano, onde sempre há coisas estranhas acontecendo.
5) Novamente temos a presença do “Elder Sign”, então não vou me ater em explicações, uma vez que já fiz logo acima, em Tamers o digimon que porta o símbolo aparece em um filme, “Digimon Tamers: Battle of Adventurers”, em um digimon antagonista chamado Mephistomon.
Bem, qual a razão de tantas referências lovecraftianas? Uma pessoa é responsável por isso, Chiaki J. Konaka, o escritor responsável por Serial Experiments Lain, e mais uma série de obras quase sempre envolvendo ficção científica, além de sempre recorrer aos temas psicológicos com uma atmosfera mais instigante, um tanto pesada, mas sempre muito criativa.
Konaka também é um escritor lovecraftiano com obras publicadas abordando o Mythos Cthulhiano, o que claramente reflete em suas obras, e refletiu muito em Digimon Tamers! Mas como explicar aquele episódio macabro em Digimon Adeventures 2? Simples, ele não foi o roteirista da série mas escreveu aquele episódio! o que explica muito bem as bizarrices apresentadas.
Bem, é isso, espero que tenham gostado, e se souberem de outras referências não exitem em me avisarem, até mais.